sábado, fevereiro 24, 2007

CELSO MING Aplicar as reservas no País (3)


celso.ming@grupoestado.com.br

Em janeiro, as reservas externas cresceram US$ 5,2 bilhões, um recorde. Só nos primeiros 15 dias úteis de fevereiro (até dia 22) engordaram mais US$ 7,1 bilhões. Se o Banco Central seguir comprando quase meio bilhão de dólares por dia útil, na semana que vem as reservas terão ultrapassado a magnitude-ícone dos US$ 100 bilhões.

Desde quinta-feira esta coluna examina até que ponto convém deixar tantos recursos mofando no Banco Central. Mais dia menos dia, a sociedade brasileira pode entender que as reservas tenham chegado a bom tamanho e que uma sobra, digamos, de US$ 20 bilhões poderia ser investida em projetos que gerassem crescimento econômico e emprego.

As dificuldades para tornar possíveis investimentos assim são quase intransponíveis. A mais notória é de natureza cambial. Se fosse para despejar dólares das reservas em infra-estrutura no próprio país, essas aplicações teriam de ser feitas em reais e não em dólares. Para construir uma rodovia ou um porto no País, a empreiteira teria de pagar engenharia, mão-de-obra, materiais e tudo o mais em moeda nacional. Isso significa que teria de haver nova operação de câmbio, para trocar os dólares em poder do Banco Central por reais. O resultado da operação seria nova valorização do real, exatamente o que se quis evitar quando o Banco Central começou a juntar reservas. “Seria o dólar a R$ 0,90, como no segundo semestre de 1994” - alerta o ex-diretor do Banco Central e consultor em Assuntos Cambiais Emílio Garófalo.

Essa questão inviabiliza a sugestão do advogado Benno Suchodolski à coluna Sonia Racy, deste jornal (no dia 16), de que parte das reservas seja aplicada em fundos estrangeiros que financiassem obras de infra-estrutura no Brasil. Se esses recursos voltassem, a bicicleta seria devolvida ao Banco Central. Não há engenharia financeira que contorne o problema.

Para superar essa dificuldade, teriam de ser autorizados pagamentos e depósitos em moeda estrangeira no País, o que implicaria depender de juros definidos por bancos centrais estrangeiros. Ou seja, seria exigida abdicação, ao menos parcial, de soberania sobre a política monetária.

Outra saída seria importar equipamentos, plataformas de petróleo, navios, turbinas elétricas, gruas e tudo quanto fosse capaz de empuxar crescimento econômico. Nesse caso, teoricamente não haveria necessidade de trocar dólares por reais nem de aplicar reservas. Bastaria incentivar as importações e, se fossem significativas, o reequilíbrio da balança comercial seria mais facilmente atingido e o objetivo desejado, obtido do mesmo jeito.

Existem até razões técnicas para que as importações sejam incentivadas. Há dois anos, o governo Lula concordou em cobrar delas o PIS-Cofins, pressupondo que as tarifas alfandegárias seriam baixadas. Assim, as importações encareceram e, no entanto, não houve redução de tarifas.

Mas essas importações assim incentivadas, embora trouxessem benefícios na medida em que fossem de bens de investimento e não de quinquilharias, proporcionariam crescimento e criação de empregos lá fora e não aqui. (Amanhã tem mais.)