quarta-feira, fevereiro 21, 2007

ALEXANDRE SCHWARTSMAN O eterno retorno


O diferencial de juros entre o Brasil e os EUA caiu à metade nos últimos 18 meses, mas o câmbio seguiu se apreciando

FOI COM satisfação que li o editorial da Folha do dia 13 comentando a questão das importações e do PIB, assunto da minha última coluna. O texto reconhece o equívoco de partir de uma identidade contábil para concluir que o aumento das importações teria reduzido o crescimento do PIB em 1,7 ponto percentual, exatamente o ponto central do meu artigo. Quase comemorei (são poucas as vezes que a racionalidade econômica prevalece), mas a continuação da leitura revelou que falta ainda um tanto para que o jornal compreenda realmente a questão.
De fato, o editorial propõe uma métrica peculiar para avaliar se as importações prejudicam (ou não) a atividade econômica: se a indústria local puder fornecer o bem, então a importação será prejudicial; se não, a importação não terá impacto sobre a atividade econômica.
Por essa lógica curiosa, um país só pode importar sem prejuízo à atividade doméstica quando: (a) o bem em questão não é produzido no país; ou (b) o bem é produzido, mas, no momento, não existe capacidade ociosa para fazê-lo.
Em momento algum se admite que bens importados possam simplesmente competir com os domésticos. Em outras palavras, pela lógica do editorial, valorizamos a expansão da produção nacional, independentemente dos preços a que essa expansão ocorra, e o consumidor (ou investidor, no caso de uma máquina) que viva com isso.
Com tais idéias dominando o pensamento nacional, não é estranho que o Brasil permaneça como um dos países mais fechados do ponto de vista do comércio internacional.
Imagine, no entanto, que em dado setor surja nova empresa, cujos preços são mais baixos que os das empresas tradicionais. Essa empresa irá provavelmente expulsar as mais antigas, reduzindo a produção destas e, portanto, o emprego. Se essa empresa se localizar no país, chegará às capas das revistas, a despeito da "destruição criativa" que causou no seu setor. Mas, se estiver no exterior, será objeto de editorial contrário, que ressaltará como ponto negativo a mesma "destruição" de emprego e produção saudada no caso anterior. Por que um acidente geográfico deveria levar a conclusões distintas?
Os mais ofendidos com o argumento acima irão levantar duas objeções. A primeira é que, no caso da nova empresa ser nacional, a produção e o emprego aqui permanecem, enquanto no segundo caso migram para o exterior. A esse respeito lembro o argumento, já avançado no meu artigo anterior: importação maior permite, tudo o mais constante, que o BC baixe o juro. O emprego nessa indústria cai, mas a aceleração da demanda doméstica permitida pela importação criará empregos em outras indústrias. Aliás, não fosse isso, países com déficits comerciais viveriam em recessão crônica.
A segunda diz respeito ao câmbio. Setores que competiam com as importações em condições de superioridade sob determinada taxa cambial não conseguem fazê-lo sob outra taxa mais apreciada. Assim, o problema não seria tanto a importação em si, mas a taxa cambial, "artificialmente apreciada pelo diferencial de juros etc. etc.".
Quanto a isso, sugiro dois pontos para reflexão. Primeiro: quem é o iluminado que determina a taxa de câmbio "correta" para avaliarmos a real competitividade de cada setor industrial? Há vários candidatos a gênio, mas, francamente, quase todos associados a setores que têm muito a ganhar ou a perder com a definição dessa grandeza, e o leitor há de me perdoar por não colocar muita fé nos "estudos" de defasagem cambial que volta e meia aparecem por estas plagas.
Segundo: o diferencial de juros entre o Brasil e os EUA caiu à metade nos últimos 18 meses, e, a despeito disso, a taxa de câmbio seguiu se apreciando. Ao mesmo tempo, as exportações seguiram crescendo a taxas robustas, enquanto os saldos comerciais e em conta corrente se mantiveram em torno de US$ 45 bilhões e US$ 13 bilhões, respectivamente. À luz disso, pergunto: o que há de artificial na apreciação do câmbio?
Assim, uma vez abandonada a contabilidade nacional como métrica do assunto, sugiro aos interessados o retorno à teoria do comércio internacional para aferir seus efeitos sobre a economia. A alternativa é o eterno retorno ao protecionismo de sempre.