RIO DE JANEIRO - Com aquela eterna expressão de quem acaba de assistir a um filme na sessão da tarde, George W. Bush saudou o enforcamento de Saddam Hussein como "um marco importante".
Na última, e talvez mais impressionante, imagem do ano, Saddam parecia tranqüilo enquanto os carrascos encapuzados lhe ajeitavam a corda no pescoço.
Como Bush, devia imaginar que aquele momento poderia tornar-se, por motivos opostos, "um marco importante". Saddam estava consciente de que protagonizava uma cena emblemática, capaz de sobrepor à sua folha corrida de crimes um papel de mártir.
Pelo jeitão deles -Saddam e Bush-, tudo muito natural. A pena de morte é legal nos EUA e no Iraque, faz parte do jogo. Enquanto um comemora como vitória ver na forca o inimigo que elegeu para encarnar o mal no mundo, o outro encara o cadafalso como mais um passo na batalha contra os novos cruzados ianques.
Do ponto de vista da nossa barbárie, fechar o ano com a imagem de um enforcamento deixa um gosto de cabo de guarda-chuva na boca, antes mesmo da ressaca de hoje. A cena medieval estampada nas primeiras páginas dá uma sensação de retrocesso e de inviabilidade o homem neste castigado planeta. Somada a todos os descalabros que vivemos por aqui no 2006 enterrado ontem, restringe esperanças em relação a este novo ano que começa logo numa segunda-feira.
O que será que os terríveis roteiristas de renovados 365 dias vão inventar para superar os de 2006? Haja mau gosto criativo para bater a onda de ataques no Rio e em São Paulo, a dança da pizza, as máfias de sanguessugas e caça-níqueis, o meião do Roberto Carlos ou a cabeçada do Zidane. E, antes dos créditos finais, ainda encaixar um enforcamento exemplar. Argh!