terça-feira, janeiro 30, 2007

Opinião: A anistia que não deu certo Jarbas Passarinho

Líder no Senado do governo João Figueiredo, defendi, da tribuna, o projeto de anistia, hoje repudiado por esquerdistas. No Brasil, o ciclo militar ia terminar com a soma dos contrários, isto é, de um lado a pressão popular, que crescera desde a revogação do AI-5 em outubro de 1978, e, de outro, o sincero desejo da grande maioria dos militares de retornar à prevalência do poder civil.

Dois grupos, porém, perturbavam a desejada rapidez da remessa da mensagem governamental. Civis, especialmente políticos, radicalizavam exigências de vitoriosos. Cunharam a expressão: anistia ampla, geral e irrestrita. Minoria de militares, por seu turno, ainda resistia. Haviam vencido a luta armada e, nas eleições recentes, o PDS ganhara a maioria do colégio eleitoral, que lhe assegurava, pela vontade popular, a eleição do substituto do presidente Figueiredo.

A solução foi dada depois de um trabalho de planejamento que considerava as duas correntes: a minoritária militar, que gerara o episódio do Rio Centro, devidamente contida, e a dos provocadores esquerdistas na insistência da imediata redemocratização sem restrição de qualquer ordem. Do presidente eu ouvi que a anistia não fosse dada como perdão, que pressupunha arrependimento, o que não esperava nem pedia, mas como esquecimento, para reconciliação nacional. O senador Petrônio Portella e o ministro Golbery, considerando que houvera violências típicas da "guerra suja", sem respeito à Convenção de Genebra, pertinente às guerras regulares, insistiram na reciprocidade da anistia, o que, no fundo, esquecia terrorismo e sua contrapartida, a tortura. Politicamente, o governo antecipava o fim do bipartidarismo, para impedir que todos os exilados, uma vez anistiados, engrossassem o MDB.

O governo encaminhou um projeto que a oposição considerou insuficiente. Comandada por Ulysses Guimarães, tentou aprovar um substitutivo. Paradoxalmente, menos amplo, pois enquanto o projeto anistiava Leonel Brizola, o substitutivo não, bem assim os que haviam sido cassados antes do Ato Institucional, ou seja, aqueles que foram cassados entre 2 e 9 de abril de 1964. A bancada governista chegou a rebelar-se e querer votar o substitutivo, pois as galerias estavam tomadas por agitadores frenéticos a nos insultar e nós estávamos sendo mais generosos. Corria no plenário que o substitutivo fora uma represália do PCdoB (ainda não legal) junto a Ulysses Guimarães, porque considerava Brizola o responsável pelo golpe preventivo de 64. Outras leis se seguiram, com o tempo, à anistia aprovada, inclusive a das indenizações por vezes milionárias.

Agora o objetivo da esquerda, que nunca aceitou o esquecimento, é imitar a Argentina e punir os que aponta como terroristas. A professora Flávia Piovesan, em longa entrevista ao Estado de São Paulo, critica a Lei da Anistia "que não nasceu de um pacto nacional, mas da voz de um regime decadente". Para a ilustre mestra: "De um lado estavam os delinqüentes, que representavam o Estado. Do outro, as vítimas". Enquanto sustenta que é preciso punir os crimes da contra-insurreição, devo entender que chama de vítimas os que assassinaram um major alemão, aluno da Escola de Estado Maior do Exército, por engano, pois desejavam matar um capitão boliviano que prendera Guevara. Ou os que fizeram explodir um carro-bomba na frente do quartel do Exército, em São Paulo, matando um soldado de sentinela. Ou os autores da bomba no aeroporto de Guararapes, no Recife, que matou um guarda civil, um jornalista e um almirante e feriu gravemente dezenas de civis, homens, mulheres e crianças que estavam no saguão do aeroporto entre os que iam receber o general Costa e Silva. Ao autor desse ato terrorista (que está vivo), a mestra chama de vítima dos delinqüentes que defendiam o Estado.

Quando pessoas de elevado grau intelectual chegam a ser simplórias e maniqueístas, pondo de um lado as "vítimas" e do outro "os delinqüentes", é fora de dúvida que a "guerra suja" só é horripilante quando combateu as guerrilhas comunistas, e Marighella, que defendeu em jornal parisiense o terrorismo, era um idealista sem mácula. A anistia, de fato, não prosperou.