editorial |
O Estado de S. Paulo |
29/1/2007 |
O contribuinte que se prepare, porque o governo federal e os governadores dos Estados começam a articular uma negociação para a aprovação dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Congresso. O governo acha necessário aplacar os governadores, que perderão R$ 627 milhões com a desoneração fiscal do PAC. Também considera que a ascendência dos governadores sobre as bancadas estaduais no Congresso torna-os parceiros indispensáveis para o êxito do programa. Eles teriam, além do mais, um importante papel na aprovação da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação de Receitas da União (DRU). E os governadores, por sua vez, se dão conta de que, com isso, ganham imenso poder de barganha. Até dias atrás, o governo queria a colaboração dos governadores para deslanchar uma reforma tributária cujos pontos essenciais são uma incógnita. Mas o jeito Lula de governar é esse mesmo: primeiro cria um factóide com questões acessórias e depois não apresenta o principal. Há quatro anos convocou os governadores, formou com eles uma comitiva para levar um projeto de reforma ao Congresso... e deixou o assunto morrer nas comissões. A culpa, é claro, foi dos governadores. Mas a reforma tributária e o pacote de destravamento da economia se misturaram - e os governadores que, na visão do governo, eram a chave para a reforma tributária passaram a ser, também, vitais para a aprovação e o sucesso do PAC. Em condições normais, seria muito difícil - beirando o impossível - colocar 27 governadores de acordo com uma reforma tributária, mesmo nos termos mais simples. Uma reforma tributária nunca é neutra. Alguns Estados perdem arrecadação, outros ganham - e ninguém está disposto a perder um centavo. Nas circunstâncias que o governo federal acaba de criar, esse acordo quase impossível se tornou desnecessário. Os governadores preparam-se para barganhar com Brasília uma participação nas contribuições, aqueles tributos que não entram na composição dos fundos de participação constitucionais. Se podem receber um generoso quinhão da CPMF ou da Cide - a contribuição que incide sobre combustíveis -, por que haveriam de se envolver num conflitivo processo de repartição de tributos e de funções? Ora, como o repasse adicional de receita para os Estados obviamente priva o governo federal de igual montante - e a gigantesca máquina estatal exige volumes cada vez maiores de recursos tributários para funcionar -, a saída será esfolar um pouco mais o contribuinte. Até o dia 31 de dezembro, o governo precisa aprovar a prorrogação da CPMF e da DRU. Sem isso, as contas nacionais simplesmente não fecharão. A DRU libera 20% dos recursos constitucionalmente vinculados a projetos específicos e a CPMF rendeu no ano passado recursos da ordem de R$ 32 bilhões, com aumento de 9,62% sobre 2005. São os chamados “tributos da governança”, porque se tornaram indesejavelmente indispensáveis, na ausência de um sistema tributário racional e de reformas constitucionais que acabem com a excessiva vinculação de recursos. Uma reforma tributária consistente teria, necessariamente, de rever o destino dado às contribuições. A Constituição de 1988, além de vincular receitas, elevou a participação dos Estados e municípios no bolo tributário de 31% para 44%. O governo federal, para se defender, passou a criar ou a aumentar contribuições, tributos que não entram no rateio dos fundos de participação. E fez isso com tal apetite que, hoje, as contribuições proporcionam R$ 315 bilhões anuais ao Tesouro, enquanto os principais impostos federais - aqueles que são repartidos com Estados e municípios - caíram de 70%, em 1980, para 41% do total arrecadado. Os governadores têm razão para reclamar. A União, afinal, encontrou um jeito de tosquiar o contribuinte sem repartir a lã com mais ninguém. Não faltam estudos demonstrando como esse sistema é perverso e prejudica os Estados. Também não faltam sugestões para corrigi-lo sem que haja aumento da carga tributária. O problema é que a compensação teria de vir da redução da participação dos Estados e municípios nos tributos partilhados. Mas, para isso, seria preciso fazer a tão necessária reforma tributária e isso nem o governo federal nem os governadores querem fazer. |