Não é preciso ler nas entrelinhas ou saber pescar em águas profundas para fisgar o traço esquizofrênico do governo Lula. Pudemos vê-lo hiperexposto na semana que passou, até ser condensado na sexta, de forma involuntária, pela frase de efeito do presidente: "Ou vai ou racha" -soltou Lula em Davos, como se clamasse pelo crescimento no templo dos negócios. Do anúncio do PAC na segunda -vai!- à decisão sobre os juros na quarta -racha!- deve-se deduzir o quê? Primeiro, que as duas orientações, obviamente conflitantes, são obra do mesmo senhor, embora Lula procure se abraçar ao pacote e transferir o ônus da decisão do Copom a instâncias misteriosamente técnicas, alheias à vontade do governo. Cascata ideológica, é claro. Deve-se deduzir ainda que, sob o 2º Lula, o país nem vai nem racha. O êxito ou a frustração (mais provável) serão suaves, doces, brasileiros. O presidente gosta do chavão futebolístico -não se mexe em time que está ganhando. O estilo de jogo do governo traduz isso: é amarrado, de modo que, para cada aposta, parece haver uma contrapartida, ambas submetidas ao princípio da prudência, cujo ponto de fuga é a sobrevivência do próprio Lula -ou o seu pânico de pisar em falso e tropeçar. Lula é conservador e sobretudo conciliador. O seu PAC, um arremedo de programa, resulta menos de propósitos firmes, convicções elaboradas e objetivos definidos do que da pressão difusa em torno do senso comum de que é preciso crescer. Na sua origem não havia nada além de um número mágico -5%. O plano vem exprimir, naquilo que junta meio a esmo e naquilo que recusa, os apetites e os limites de uma coalizão política balofa, muito heterogênea e quase toda habituada às benesses fisiológicas. Feitas as contas, o segundo tempo de Lula parece empurrar o Brasil para a frente, mas com a barriga. Talvez estejamos vendo a expansão do Estado assistencialista sob a miragem de termos nos reencontrado com o desenvolvimentismo.
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