Panorama Econômico |
O Globo |
30/1/2007 |
Haverá energia para crescer? A polêmica foi animada neste fim de semana, pelo Ministério da Fazenda, com o estudo mostrando os riscos de não haver energia suficiente para atender a um crescimento mais acelerado. O ministro Guido Mantega disse ontem, de Londres, que o estudo era apenas uma opinião de uma divisão de uma secretaria do ministério, e que já foi ultrapassado pelos fatos. Para entender a polêmica: o "Estadão" publicou um estudo da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, dizendo que haveria risco de falta de energia até 2010. Ontem, o ministro Guido Mantega disse que não levou o estudo em consideração e que os possíveis problemas foram enfrentados pelo PAC. Nenhum problema some do horizonte apenas porque o governo anunciou intenção de investir na geração de energia. A realidade não tem que se curvar ao que está nas planilhas de um documento, por mais oficial que ele seja. O documento da Seae não diz nada que técnicos da área não tenham dito: se a demanda crescer um pouco mais que o ritmo atual, pode faltar energia. Diversos problemas continuam existindo antes e depois do PAC. Negá-los não é o melhor remédio. No PAC, a previsão de investimentos em energia elétrica - geração e transmissão - chega a R$78,4 bilhões, ou seja, R$19,6 bi por ano. Disso, não se sabe o que viria da Eletrobrás e das empresas privadas, mas olhando, por exemplo, 2005, o investimento privado no setor, segundo o Instituto Acende Brasil, foi de R$5,9 bilhões; e o estatal, de R$3,5 bilhões, R$9,4 bi no total - R$10 bilhões a menos que o montante com que o governo está contando. Em 2004 e 2005, a Eletrobrás acabou investindo menos 35% e 23%, respectivamente, que o previsto. Algumas hidrelétricas, licitadas ainda no governo Fernando Henrique, começam a sair do papel. Estreito, entre Tocantins e Maranhão, acaba de receber licença. Vai produzir pouco mais de mil megawatts, mas só entra em operação em 2010. São Salvador só começa a produzir em 2011 e é pequena. Foz do Chapecó, de 800 MW, e Serra do Facão, de 212 MW, estão com licença e começando a entrar em obras. Aí surgiu um problema extra: as grandes empreiteiras, vendo que o mercado está esquentando, começaram a pedir aumentos nos preços. As hidrelétricas da Amazônia não estão paradas por problemas ambientais que sejam superáveis apenas pelas pressões internas dentro do governo, ou por uma MP. A de Belo Monte é no Xingu e afeta - apenas indiretamente, segundo o Ministério do Meio Ambiente - terras indígenas. Sendo assim, a Constituição determina que o Congresso seja ouvido. O Congresso deu autorização, mas o Ministério Público pediu que fossem dadas mais informações sobre o impacto da usina; e novos levantamentos estão sendo feitos. As do Rio Madeira tiveram as audiências públicas suspensas pela Justiça. Quando tudo isso estiver superado e as obras forem iniciadas, demorarão mais que quatro anos a gerar à plena capacidade. Essa diferença entre investimento e energia gerada fica clara no PAC. Lá está registrado que o investimento na construção de hidrelétricas da Amazônia está calculado em R$24,3 bilhões até 2010 e mais R$5,4 bilhões para linhas de transmissão. Só está prevista até 2010 a geração de 1.664 megawatts. Depois de 2010, o gasto será de R$10,5 bilhões nas usinas e mais R$466 milhões com linhas de transmissão para a entrada em geração de 15.685 MW. A maior parte do gasto (e que gasto astronômico!) é até 2010, mas apenas uma pequena parte entra em operação no atual governo. Segundo a Aneel, das 38 hidrelétricas já com contrato assinado (há algumas licitadas no ano passado que ainda não têm contrato), apenas oito estão com obras em andamento e somente 7, desse total de 38, foram licitadas no governo Lula. Os investidores e especialistas em energia acham que o maior problema é a falta de um ambiente regulatório que lhes dê garantias de retorno. A incerteza na oferta de energia aumentou enormemente depois da crise com a Bolívia, em maio do ano passado. A oferta nova de energia, para suprir os atrasos das hidrelétricas, viria das termelétricas, que hoje não têm garantia de oferta de gás. Havia uma demanda futura de gás que não se sabe se vai ser atendida. A Petrobras tem dito que voltará a investir na Bolívia porque pôr o dinheiro lá continua sendo um bom negócio. Falta transparência nisso. O que transforma em confiável um parceiro que pode rasgar contratos, invadir dependências de sua empresa, e acusar a estatal brasileira de sabotadora? Se é agora um bom negócio, que o imposto subiu enormemente e as bases do negócio mudaram, então a Petrobras estava mesmo tendo lucros abusivos? Nada ficou muito claro nesse episódio. Quem investiu para converter a geração de calor de sua fábrica - como fez o setor de vidros, só para citar um exemplo - não tem certeza de que terá o insumo no volume necessário para seus planos de expansão. Claro que, além de tudo, tem o problema ambiental, sim. Tudo causa impacto ambiental, mas alguns projetos têm uma relação custo/benefício inaceitável nos dias de hoje. E isso tem que ser levado em consideração. Um dos grandes especialistas do Brasil nessa área, Mario Veiga Pereira, diz que a oferta já contratada poderia, em teoria, atender a um crescimento de 4%. Mas isso é afetado por três problemas: - Restrição da oferta de gás até 2010, atraso no cronograma de construção e atrasos no Proinfa (a energia alternativa). Se essas restrições e atrasos não forem sanados, haverá um desequilíbrio de oferta e demanda e maior risco de apagão - diz ele. O risco existe, melhor que negá-lo, é trabalhar para evitá-lo. |