DAVOS. O fantasma de Hugo Chávez ronda o Fórum Econômico Mundial, e ele tem pelo menos parte da “culpa” pela exposição que a América Latina vem tendo na programação deste ano, com mais de 30 eventos relacionados à região, direta ou indiretamente. É claro que a América Latina não se tornou o centro do mundo econômico, e muito menos o Brasil é um exemplo de país emergente que impõe sua agenda pelo crescimento econômico.
Esse papel continua sendo da Ásia, e mais especificamente da China e da Índia, que seguem sendo as vedetes do Forum Econômico Mundial.
A sensação generalizada é de que o mundo continuará tendo uma situação econômica muito favorável, e que a eventual desaceleração econômica dos Estados Unidos será compensada pela melhoria da Europa e do Japão, e os grandes emergentes, principalmente a China e a Índia. A Índia deve melhorar mais ainda sua performance, passando para o patamar de crescimento de 10%, igualando-se à China, que continuará crescendo no mesmo ritmo. Enquanto o Brasil sonha o sonho impossível de crescer a 5% ao ano.
Mas está claro também que, ao contrário dos anos anteriores, há uma preocupação em revalorizar a região, chamar a atenção para as suas qualidades, como uma tentativa de não deixar que governos democráticos e baseados na economia de mercado, como Brasil, México e Chile, sejam ofuscados, ou cooptados, pela retórica revolucionária da Venezuela de Hugo Chávez.
Nos debates que estão sendo realizados aqui, há uma tendência a acreditar que a América Latina não está caminhando para a esquerda, mas converge para o centro político, mesmo que as preocupações sociais predominem. Governos que podem ser classificados como “de direita” ou conservadores, como o de Calderón, no México, ou o de Uribe, na Colômbia, têm a mesma preocupação com as questões sociais hoje do que os chamados “de esquerda”, como o do presidente Lula, ou o de Bachelet no Chile.
Não há uma definição muito clara quanto à posição de Kirchner, na Argentina, mas de qualquer maneira está ficando claro, como salientou Emilio Lozoya Austin, o responsável pela parte latino-americana do Fórum Econômico, que a América Latina não é apenas Chávez e seus seguidores, como Evo Morales, da Bolívia, e se divide em muitas nuances que precisam ser compreendidas pelos investidores estrangeiros, sem generalizações para um lado ou para o outro.
Lozoya Austin ressalta que os investidores estrangeiros estão compreendendo o potencial dos países emergentes, que em termos de paridade de poder de compra foram responsáveis por nada menos que metade do crescimento econômico mundial, e entre esses países existem muitos mais do que apenas China e Índia.
A agenda de reduzir a pobreza e melhorar a distribuição de renda tornou-se um ponto comum na região, e há um certo otimismo com os avanços sociais já acontecidos.
Felipe Larraín Bascuñán, professor de economia da Universidade Católica do Chile, por exemplo, criticou, num painel sobre a América Latina, os que consideram que a região “perdeu o bonde da História”, lembrando que os indicadores sociais e econômicos da região melhoraram muito nos últimos 25 anos.
O presidente internacional da Pepsi-Cola, Michael D. White, foi o investidor que se mostrou mais entusiasmado com as perspectivas da região, que gera 40% do lucro de sua empresa no mundo. Ele garantiu que não mudou uma única vírgula de seu projeto de investimento na Venezuela por causa de Hugo Chávez.
Seu concorrente mais direto, a Coca-Cola, tem uma visão completamente distinta.
O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia pôde sentir recentemente em Atlanta, numa reunião da cúpula da empresa, um receio da escalada antiamericana de Chávez, talvez por a Coca-Cola ser um símbolo americano muito mais vistoso do que a Pepsi.
O representante do Instituto Ethos, Ricardo Young, chamou atenção para o fato de que, mesmo com taxas de crescimento medíocres, a desigualdade vem sendo reduzida no Brasil desde 1999, e de maneira crescente nos últimos anos. O presidente Lula que chega amanhã a Davos não é certamente o mesmo que, em 2003, recém-eleito, dominou o Fórum e encantou os investidores com sua receita contra a fome no mundo, ainda embalado pelo programa Fome Zero, que fracassou e deu lugar ao Bolsa Família, fundamental para uma melhor distribuição de renda e também para garantir votos para a reeleição.
Naquela ocasião, havia ainda dúvidas sobre seu compromisso com a manutenção das regras do jogo, e o comparecimento a Davos era mais uma demonstração de que não havia o que temer.
Mas, ao mesmo tempo em que beijava a cruz, Lula falava de injustiça social e fome, temas desconfortáveis para os participantes do Fórum. Mesmo não sendo correto dizer que Lula mudou a agenda de Davos, como ele se atribui, é certo que ele colaborou para que uma visão social do desenvolvimento, e temas como distribuição de rendas e combate à pobreza pudessem ser hoje o centro das discussões entre empresários, não apenas latino-americanos, mas todos os interessados em investir na região.
Quando esteve aqui pela primeira vez, Lula garantiu que as bases do programa de estabilização não seriam alteradas.
Agora, o que os investidores esperam é que Lula venha trazer notícias de medidas para crescimento econômico.
O pacote recém-lançado é um completo desconhecido para os investidores estrangeiros, e o presidente Lula já tem diversos encontros para convencê-los de que chegou a hora de investir no país. O Programa de Aceleração do Crescimento depende desse convencimento para dar certo, pois a maior parte dos investimentos necessários é da iniciativa privada. É por isso que Lula veio a Davos, beijar a cruz mais uma vez.