O Globo |
30/1/2007 |
Faz sentido que juízes e promotores tenham direito a posse e porte de armas. Mas não é isso que está sendo motivo da atual briga de uns e outros com a Polícia Federal. Cumprindo o Estatuto do Desarmamento, a polícia exige de todos os cidadãos que se sentem mais seguros com um revólver na cintura a prova de que sabem usá-lo. É exigência óbvia: evita o tiro no próprio pé e faz da arma um instrumento de segurança pessoal, não um risco para quem estiver por perto sempre que John Wayne se sinta obrigado a sacá-la. No entanto, juízes e promotores estaduais estão brigando pelo perigoso privilégio de serem dispensados de uma obrigação sensata, exigida dos demais cidadãos. Deve-se reconhecer que eles - ou pelo menos os que atuam na área criminal - convivem com o risco de serem atacados por criminosos que tenham denunciado e condenado. Mas não parece ser perigo maior do que aquele que ameaça, por exemplo, comerciantes de favelas ou donos de botequins em qualquer bairro. O Estatuto do Desarmamento é uma lei para todos. Para o porte de armas (algo mais sério que a posse), exige-se "aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo" (o que, vamos admitir, é um tanto subjetivo), mas também - e é só isso que está sendo discutido - "comprovação de capacidade técnica" demonstrada em estande de tiro. Inteiramente razoável: faz com que a arma só seja usada por quem sabe não apenas quando sacá-la mas também como usá-la. Mas tanto a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais como o Conselho Nacional do Ministério Público estão em pé de guerra contra a exigência. Por enquanto, estão perdendo a briga: no primeiro embate, o Supremo Tribunal Federal negou liminar pedida pelos juízes contra a Polícia Federal, que exige deles o teste da "capacidade técnica". Os promotores simplesmente enviaram uma recomendação à PF no sentido de que não lhes seja exigida a prova de que sabem atirar. E publicamente denunciam a exigência como absurda. O importante no imbróglio é o fato de que a polícia apenas pediu que juízes e promotores façam o que uma lei exige de todos os cidadãos. Não estaria cumprindo seu dever se não o fizesse. É curioso que porta-vozes de juízes e promotores, mesmo defendendo o privilégio com unhas e dentes (armas que todos nós, graças a Deus, temos o direito de portar e usar), reconhecem que é preciso saber usar uma arma para ter o direito de ter uma na cintura. Um representante dos juízes disse concordar que "não se deva andar pelas ruas com armas sem saber manuseá-las". E um porta-voz dos promotores propôs que uma resolução do Conselho do Ministério Público determine que seus integrantes façam cursos práticos antes de comprar armas, o que já acontece em alguns estados. Quem reconhece a necessidade do aprendizado está bem perto de aceitar a exigência de comprová-lo. Dar esse passo seria bem melhor do que essa história feia de alegar que uma lei sensata - que em nada ofende quem a obedece - é só para os outros. |