sábado, janeiro 27, 2007

Fugindo das bolas divididas Jorge J. Okubaro



Entre as características do presidente Lula que seduzem boa parte dos eleitores está a de ser escorregadio, de fugir de temas espinhosos sem demonstrar medo de encará-los. O presidente parece sempre disposto a enfrentar os problemas. Não foge de bolas divididas, ele provavelmente diria, em seu habitual linguajar futebolístico, para se referir a si mesmo diante das grandes questões. Não vacila.

Tudo, porém, não passa de aparência, pelo menos quando estão envolvidos problemas essenciais, mas complexos, que precisam ser enfrentados com presteza, para evitar um custo político, social e econômico muito mais alto num futuro não muito distante. O tratamento que o presidente dispensou à questão da Previdência Social é, nesse sentido, exemplar.

Diante da insistência com que especialistas em finanças públicas vêm apontando para os riscos de uma explosão nas contas do governo, caso não se estabeleçam novas regras para o sistema previdenciário, o presidente, que vem demonstrando um comportamento oscilante nessa questão, resolveu agir. Mas o fez à sua moda, de maneira resvaladiça, pouco objetiva.

O governo teve tempo mais do que suficiente para estudar a questão por todos os ângulos. Mas nem assim foi capaz de propor, como era de esperar, medidas para afastar o perigo num prazo razoável, ou mesmo apresentar alternativas que possam ser analisadas pelo Congresso e pelos interessados. Remeteu a questão para um certo Fórum Nacional da Previdência Social, ainda a ser constituído, que terá como membros representantes de sete Ministérios, nove centrais sindicais, cinco entidades empresariais e dos aposentados.

É a maneira mais simples de escapar da questão. É impossível imaginar que proposta sairá de um colegiado cujos membros estão em posições opostas, inconciliáveis, a respeito de algumas das principais questões. Ali estão quem não paga, mas administra o dinheiro, e quem paga, mas nada decide sobre a administração; e estão também quem recolhe as contribuições e quem se beneficia delas. Nesse caso, não há como não concordar com uma das máximas consagradas pelo jornalista Aparício Torelli, de fino humor político e que se autodenominava Barão de Itararé (em homenagem à batalha que não houve): “De onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada.”

E o que esperar, então, das iniciativas políticas do governo no sentido de trazer os governadores para o debate de uma necessária, e igualmente inadiável, reforma tributária? Pelo menos desta vez, espera-se, o País não terá de assistir ao espetáculo como aquele de que participaram, no fim de abril de 2003, o presidente e todos os governadores então nos primeiros meses de mandato. Desceram juntos a rampa do Palácio do Planalto, tomaram um ônibus e, juntos, entregaram ao Congresso o projeto de reforma tributária. Era o grande passo, diziam, para melhorar o sistema de cobrança de impostos, acabar com a guerra fiscal entre os Estados, dar, enfim, maior racionalidade à economia, permitindo-lhe crescer mais depressa.

De tudo aquilo, o que sobrou foi a aprovação de duas medidas que interessavam diretamente ao governo federal - a prorrogação da validade do dispositivo conhecido como Desvinculação das Receitas da União (DRU), que libera o governo da obrigação de aplicar em áreas predeterminadas parcelas importantes de suas receitas; e a manutenção da cobrança da CPMF por mais tempo. Mesmo tendo sido desfigurado e exaurido para acomodar interesses e eliminar conflitos, o projeto não chegou a ser votado por nenhuma das Casas do Congresso. Repousa na gaveta do relator, que, reconheça-se, até se esforçou para fazê-lo andar.

É um tema complicado por natureza. Envolve direitos e responsabilidades das diferentes instâncias de governo. Sua discussão, por isso, abre espaço ao mesmo tempo para discussões sérias, profundas e também para manobras políticas. Nessa questão, todos os que forem chamados para o debate tentarão tirar vantagens. São raras, entretanto, as brechas para que o mais diretamente afetado pela mudança nas regras, o contribuinte, possa se defender.

Antes de iniciada a discussão entre o governo federal e os governos estaduais - e também as prefeituras -, já estão mais do que evidentes os interesses imediatos de cada parte. Ao contrário dos governadores, o governo federal não está preocupado com a mudança da sistemática de cobrança do ICMS, se na origem ou no destino do produto - tema que afeta diretamente a arrecadação dos Estados e, por isso, gera conflitos entre eles -, ou com o estabelecimento de regras nacionais que impedirão a guerra fiscal. Como em 2003, está mais interessado na prorrogação da DRU e da CPMF.

Já os governadores só se interessam pela partilha dos recursos arrecadados. O acelerado aumento da carga tributária nos últimos anos beneficiou muito mais a União do que os Estados e os municípios. Isso porque, nas receitas tributárias, aumentou o peso das contribuições, cuja arrecadação a União não precisa dividir com Estados e municípios, como é obrigado a fazer com o IPI e o Imposto de Renda.

São divergências profundas o bastante para impedir um acordo. De modo que, se o governo Lula não se armar de coragem, adotar uma linha para a reforma e lutar para obter o apoio necessário à sua aprovação, ela não sairá do lugar. Mas, por tudo que vimos até agora, parece pouco provável que o governo aja desse modo.