terça-feira, janeiro 23, 2007

Entrevista Leôncio Martins Rodrigues

‘Estratégia é criar condições para um terceiro mandato’

Entrevista de Leôncio Martins Rodrigues, titular de Ciências Políticas na USP e Unicamp, ao jornalista Gabriel Manzano Filho de O Estado de S.Paulo, publicada dia 23 de janeiro de 2007.


"Analista acha que Lula, dependendo do cenário político, pode tentar mudar Constituição para ganhar mais 4 anos


Além das grandes metas econômicas anunciadas, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) encaixa-se muito bem no projeto político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não significa que exista “um novo governo”, mas o plano ajuda a deixar para trás os maus momentos e a má impressão do primeiro mandato e, dependendo do andamento das coisas, manterá espaço para o presidente avaliar, lá na frente, se há condições para arriscar nova reeleição e um terceiro mandato já em 2010.


Essa avaliação, “com as devidas cautelas, mas sem ingenuidade”, é do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, titular aposentado dos Departamentos de Ciência Política da USP e da Unicamp. Para ele, o plano dará certo, desde que, simplesmente, beneficie a maioria dos pobres e, portanto, do eleitorado. A entrevista:


Qual é o impacto político do anúncio do Plano de Aceleração do Crescimento? Este é um novo governo e o presidente Lula quer fazê-lo diferente do primeiro?


Sem entrarmos nos méritos do plano nem avaliarmos suas chances de dar certo, vamos lembrar que não é fácil mudar, repentinamente, a maneira de ser de um governo. Do ponto de vista estrutural, não há mudança política marcante, quer se olhe o Executivo ou os apoios garantidos no Legislativo. Este governo é uma clara continuação do anterior. O PT teve em outubro um pouco menos de votos no Congresso, mas está forte, logo atrás do PMDB. A quantidade de sindicalistas plantados nos bons postos continua lá também. Muitos petistas que terminaram o governo desmoralizados voltaram pelo voto. É dessas realidades que se faz a política no dia-a-dia. Com elas é que se fazem os cálculos para passar uma reforma tributária ou outra qualquer. É difícil falarmos em um “governo novo”.


Mas desta vez ele faz um grande barulho, para um projeto que se estende por vários anos.


Ainda assim, politicamente ele vai depender de quanto o plano vai funcionar, de quanto isso vai significar em benefícios visíveis e diretos. Quero lembrar que, no início do primeiro mandato, eu fui dos primeiros a dizer que todo aquele discurso presidencial era só teatro. E o que vimos depois? Que não havia estratégia nem planos coordenando diferentes áreas, que o País não cresceu. Foram quatro anos de teatro. Não estou dizendo que vai ser igual, mas que no mandato anterior foi assim e não será surpresa se tal processo se repetir.


Pode-se, pelo menos, apontar algumas áreas onde o PAC pode dar a Lula bons dividendos políticos?


A única coisa garantida é o conjunto de medidas que beneficiam diretamente os pobres. Não só porque é uma meta mais simples, que ele pode estimular diretamente, mas porque, creio eu, está no âmago de sua estratégia futura.


Que estratégia é essa?


A que, no decorrer do governo, crie e mantenha condições para que o presidente, no devido tempo, comece a trabalhar por um terceiro mandato. As propostas voltadas para o lado social, que mantenham simpatia e apoio entre os mais pobres, têm mais probabilidades.


Então, em sua opinião, o PAC é uma estratégia destinada a garantir o continuísmo?


Não digo isso, porque um projeto assim depende de uma quantidade enorme de variáveis e é impossível prever cenários para daqui a três ou quatro anos. Mas me parece lógico que o presidente esteja preocupado - ele nunca dirá isso em público - com a inoperância dos primeiros quatro anos. Ele é esperto, um grande comunicador e tem um instinto de sobrevivência notável. Sabe que precisa apresentar alguma coisa. Aqueles mapas, com números e linhas, o tom seguro da ministra Dilma, tudo aquilo dá uma aparência séria e passa uma idéia de profissionalismo dos governantes.


Isso já é um impacto político bom para o Planalto.


Sim, o plano começa com impacto. Mas, resumindo minha impressão, vamos esperar pelo menos uns dois anos e ver o que vai acontecer. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), anunciado com alarde no início de 2003, também parecia uma coisa instigante, promissora, e não deu em nada.


O PT sabe que não tem candidato presidencial para 2010. O plano ajudaria Lula a ser um grande eleitor nas eleições de 2010?


Acho que isso é uma estratégia que lhe interessa e ele deve trabalhar com ela, até o momento de avaliar se deve continuar com isso ou avançar em seus planos. Mas qual o poder real que ele tem de transferir votos? Pode funcionar ou não. Não funcionou com a Marta Suplicy para prefeita de São Paulo em 2004 nem com o Olívio Dutra no Rio Grande do Sul, em 2006. Agora, não é fácil acreditar que, dispondo de uma aprovação, digamos, de 60% ou 65% no seu último ano, e tendo uma quantidade tão grande de subordinados na máquina petista e aliada, gente que não quer perder o conforto do poder, ele mande parar as campanhas em favor de sua permanência. E ainda o discurso de movimentos populares e sindicais, de que se ele sair o neoliberalismo volta e estraga todo o progresso obtido... Volto a dizer: não estou prevendo que isso acontecerá. Estou advertindo para que os analistas e os eleitores pensem nisso com seriedade. Um político competente nunca mostra as cartas que tem na manga.


Mas para isso seria preciso mudar a Constituição.


Sim, e havendo condições e votos no Congresso, por que ele não o faria? Se o PT teve em outubro boa votação - mais do que se esperava - e pode fazer uma aliança com o PMDB e obter maioria, por que o governo vem se empenhando tanto em conseguir mais e mais apoios? Não será para ter três quintos do plenário? A história está cheia de golpes dentro da lei, mesmo em regimes parlamentares. Não apenas os casos célebres, como os de Hitler ou Mussolini, que montaram suas ditaduras depois de chegar legalmente ao poder.


O sucesso de Hugo Chávez pode ter tido alguma influência na decisão de Lula de lançar esse plano?


Acho que, no mínimo, Lula se preocupa em preservar um papel na política externa do continente. O Chávez tem na Venezuela algo que ele não tem: dólares. A Argentina vem crescendo e se recuperando e o Chile achou um bom rumo. Politicamente, ele precisa, sim,de um instrumento forte que faça o País crescer para que volte a ser ouvido lá fora. Mas é importante também assinalar as diferenças. Chávez é formado em quartel, um golpista tradicional. Lula vem de classes baixas, que subiram a duras penas, e é cuidadoso com o que faz. Muito pragmático, ele não vai jogar fora o que conseguiu por métodos que funcionaram.


E quanto aos riscos? Toda vez que alguém aposta alto em um plano, como ele faz agora, pode perder muito se a coisa não der certo.


O que é “não dar certo”? Para ele, na prática, e para a grande maioria do eleitorado, só não dará certo se os pobres não forem devidamente contemplados pelas medidas adotadas. Isso é fácil de controlar e dá resultados garantidos. Não é verdade, ou não é uma verdade predominante, essa de que a economia é que decide as eleições e o futuro dos governos. Se as coisas estão andando bem para a maioria e ela sabe disso e retribui com votos, o que não deu certo pode esperar."