Ainda que não ganhe em votos no público interno, a candidatura alternativa à reserva de mercado governista na disputa pela presidência da Câmara já obteve uma vitória de peso para o público externo: a realização do debate entre os três candidatos amanhã, com transmissão ao vivo pela TV Câmara e demais emissoras interessadas.
O acontecimento é inédito e só ocorrerá porque a chamada terceira via forçou a mão. Há duas semanas, o deputado Raul Jungmann teve a idéia, fez os convites, mas foi atropelado por uma denúncia do Ministério Público em processo por desvio de finalidade no uso de verbas de publicidade quando era ministro da Reforma Agrária.
Quando o grupo escolheu o tucano Gustavo Fruet como representante na disputa, o candidato à reeleição, Aldo Rebelo, adotou a proposta que, assim, ganhou dimensão. O petista Arlindo Chinaglia ainda tentou criar uma dificuldade (não queria o debate conjunto, mas em duplas) para ver se obtinha a facilidade de não se ver obrigado a comparecer, mas acabou aceitando.
Portanto, a partir de amanhã, a eleição da Câmara deixa de ser uma questão interna para ser o que realmente é: um assunto de interesse nacional, visto que o eleito, além de ser o segundo (depois do vice) na linha de sucessão da Presidência da República, tem o poder de mandar chover e fazer sair sol dentro da Câmara dos Deputados.
Há o colégio de líderes, mas a palavra final é do presidente na definição do que entra ou deixa de entrar na pauta de votações; na indicação de relatores para medidas provisórias; na resolução de impasses; na indicação de parlamentares para viagens oficiais ao exterior; na criação de comissões especiais para o exame de emendas à Constituição.
Além disso, administra um orçamento de R$ 3 bilhões, fala de igual para igual com os presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal e decide sozinho sobre pedidos de abertura de processos de impeachment contra o chefe da Nação.
Até agora, a escolha do deputado (ou deputada) que detém todo esse poder era, de maneira deformada, tida como uma questão de interesse exclusivo da corporação. No Senado, onde também haverá eleição, ainda é assim. E continuará sendo até que apareça um grupo interessado em mudar as coisas, como ocorreu agora na Câmara.
Se os 'alternativos' não tivessem aparecido como força de reação ao intenso processo de desmoralização do Poder Legislativo, muito provavelmente não veríamos amanhã três candidatos à presidência dando satisfações à opinião pública a respeito de suas propostas para a condução da Casa.
Isso influirá no voto do colegiado? Talvez sim, talvez não. Mas só de alterar a lógica da disputa e ferir o conceito 'interna corporis' já é um avanço e tanto.
Morreu de velho
Está decidido: a oposição vai arquivar a proposta de revogar o instituto da reeleição.
Aliás, não vai mexer com assuntos institucionais tão cedo. Chegou ao entendimento de que não é bom permitir a abertura de brechas para temas como terceiro mandato e que tais.
Nas conversas entre partidos, lembram que Lula não quis assinar o documento preparado por um grupo de juristas no ano passado, pelo qual o governo se comprometeria a não tomar a iniciativa de propor a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, alegadamente para tratar da reforma política.
Na época, o assessor especial Marco Aurélio Garcia justificou que o governo não poderia se comprometer com algo que tolhesse uma futura demanda da sociedade.
Mas o documento não implicava repúdio à Constituinte em qualquer hipótese. Só dizia que o governo não tomaria a iniciativa.
Revanche
Por causa de sua atuação na CPI dos Sanguessugas e na reação contra o aumento de 90% nos subsídios, Raul Jungmann não é exatamente uma figura popular no Congresso.
Comenta-se corredores adentro que qualquer processo contra ele, resultante da denúncia do Ministério Público, será examinado com rigor reservado aos inimigos.
Se aos amigos foi dado o beneplácito das brechas da lei para permitir absolvições, Jungmann, avisam, não terá nem o benefício da dúvida.
Arremedo democrático
Ao declarar, em Davos, que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não representa uma 'perturbação' para a América Latina, o presidente Lula ressaltou que Chávez foi eleito de forma democrática por três vezes consecutivas.
Deixou de lado o fato de que governos democráticos não se caracterizam apenas pela forma como é eleito o presidente, mas, sobretudo, pela maneira como governa e lida com as instituições do país.
De mais a mais, só o fato de o venezuelano ter sido eleito três vezes ao custo de alterações constitucionais e da construção de apoios majoritários a partir da submissão dos Poderes Judiciário e Legislativo e do aniquilamento da oposição já torna a normalidade institucional da Venezuela, no mínimo, questionável.