sábado, janeiro 27, 2007

Clint Eastwood, o maior ícone vivo do cinema

As duas vidas de Clint Eastwood

Cinco décadas atrás, ele era apenas um caubói entre muitos. Hoje, aos 76 anos, é um dos mais premiados diretores do mundo e acaba de lançar dois filmes sobre a batalha de Iwo Jima. Um feito do ponto de vista dos americanos; outro em
que encontra a humanidade do inimigo japonês.
A trajetória do homem que se tornou o maior ícone vivo do cinema


Isabela Boscov, de Palm Springs

Fotos Album/Stock Photos, Joe Rosenthal/AP

UM DESERTO ESTRATÉGICO
Recriada nas areias negras da Islândia, a Ilha de Iwo Jima foi o palco cruento de 27 000 mortes, entre americanos e japoneses


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Na terça-feira passada, saíram as indicações ao Oscar. Como na premiação de 2004, em que compareceu com Sobre Meninos e Lobos, e na de 2005, na qual ganhou em quatro categorias com Menina de Ouro, em 25 de fevereiro Clint Eastwood vai de novo bater ponto na cerimônia. Desta vez, compete não com um, mas com dois títulos. Dirigir um filme é mais ou menos como comandar uma batalha (menos as baixas, claro): um trabalho que, quando bem-feito, implica organizar os movimentos de centenas de pessoas, demanda estratégia e liderança, pressupõe tomadas de decisão constantes e exige imenso preparo físico e psicológico. Para cineastas trinta ou quarenta anos mais jovens do que Eastwood, uma dobradinha dessas seria notável. Para um homem de 76 anos, é um feito sem precedentes. Mais ainda quando o primeiro filme é uma superprodução com ambiciosas cenas de combate – A Conquista da Honra, que estréia nesta sexta-feira no país e concorre nas categorias de som e edição de som – e o segundo é uma aventura em que poucos diretores ousariam embarcar. Cartas de Iwo Jima, que disputa os prêmios de melhor filme, direção, roteiro original e edição de som, é uma produção japonesa, com atores japoneses, e falado tão-somente em japonês. Mais: trata de um episódio extremamente específico da história da II Guerra, enfocado do ponto de vista dos japoneses, a defesa da Ilha de Iwo Jima, em 1945, durante a qual o general incumbido da campanha procurou evitar que seus soldados se suicidassem para purgar a iminente derrocada militar, tal como pregava a cultura marcial da época, e tentou incitá-los a continuar lutando. Tanto a derrota para os americanos em Iwo Jima quanto esse código de conduta brutal foram soterrados pelo ímpeto revisionista japonês no período imediatamente subseqüente. Cartas de Iwo Jima (em cartaz a partir de 16 de fevereiro), assim, não apenas desbrava um território que permanecia intocado. Um filme soberbo, que se irmana com o inimigo ao mesmo tempo em que expõe a violência e a futilidade da sua causa, ele faz de Eastwood o maior cineasta japonês – honorariamente japonês – desde que os grandes, como Akira Kurosawa, Shohei Imamura e Yasujiro Ozu, se foram. Em suas cinco décadas, a carreira do astro já deu mais voltas do que ele próprio é capaz de contabilizar. Mas por essa nem ele mesmo esperava, como disse a VEJA durante uma entrevista concedida em Palm Springs, na Califórnia, onde jogaria num torneio beneficente de golfe.

Com menos alarde, outra notícia sobre o veterano circulou nessa mesma terça-feira. Realizada todos os anos, a enquete denominada Harris consulta o público americano para estabelecer um ranking dos astros mais populares. Os dois primeiros lugares da lista não causam surpresa: foram ocupados por atores de grande apelo, no auge da atividade, Denzel Washington e Tom Hanks. No terceiro lugar, John Wayne, morto em 1979. E, no quarto lugar, Clint Eastwood, que está vivíssimo, mas, na qualidade de quase-octogenário e ausência certa nas badalações de Hollywood, não é exatamente talhado para o figurino da indústria de celebridades. A enquete diz um bocado sobre o fascínio que os caubóis ainda hoje exercem sobre a imaginação americana. E diz mais ainda sobre a matéria-prima de que são feitos os ícones verdadeiros. Wayne tinha uma presença colossal e era o epítome do herói. Também Eastwood tem uma presença colossal e, no início da carreira, foi um desses intérpretes que a crítica ama odiar. (Segundo Vincent Canby escreveu em 1968 no New York Times, ele só não era um mau ator porque atores fazem alguma coisa. Anos mais tarde, Canby admitiu que errou ao não reconhecer "a graciosidade e a espirituosidade" do ator/diretor.) Ao contrário de Wayne, porém, Eastwood foi sempre um herói peculiar, que atira nos outros pelas costas, como nos faroestes-espaguete de Sergio Leone, ou um renegado. O caso exemplar é "Dirty" Harry Callahan, o taciturno policial de São Francisco que, apresentado à platéia em 1971, fez de Eastwood um astro de fato e de direito. Harry atira, não pergunta nem antes nem depois e não perde tempo com o "você tem o direito de permanecer calado". Em seu entender, bandidos têm o direito de ir para a cadeia, se chegarem vivos até ela. A veneranda crítica Pauline Kael decretou que o personagem era fascista. Até hoje Eastwood discorda. Harry, diz ele, frustra-se com a ineficácia do sistema e sofre de empatia aguda para com os alvos dos marginais. "Naquela época, só se falava nos direitos dos criminosos. Os direitos das vítimas não andavam muito em moda", ironiza, explicando a rapidez e a intensidade com que o personagem entrou na veia dos americanos.

A IMAGEM DA VITÓRIA
A foto original, e sua reconstituição em A Conquista da Honra: uma cena que mudou o curso da guerra

Durante as duas décadas seguintes, "Dirty" Harry definiu Eastwood, apagando da memória coletiva algumas de suas más escolhas (o título O Cadillac Cor-de-Rosa é auto-explicativo), mas também ofuscando a inquietação intelectual e artística que, durante todo esse período, ele já vinha manifestando em trabalhos como O Estranho que Nós Amamos ou O Cavaleiro Solitário. Bird, sobre o saxofonista Charlie Parker, que Eastwood dirigiu em 1988, alertou os mais atentos para o fato de que o astro se havia transmutado num criador de primeira ordem. Para os outros, a ficha só caiu mesmo quatro anos depois, quando Os Imperdoáveis entrou direto no panteão dos westerns clássicos e abocanhou quatro Oscar. Os Imperdoáveis é uma condenação clara da corrupção moral, social e espiritual que a violência ocasiona. Desde então, o diretor tem aprofundado a maturidade de sua reflexão sobre a natureza humana – sobre o que constitui a hombridade, sobre os desafios do envelhecimento, sobre a importância primal dos filhos e, sempre, sobre os efeitos da violência, seja ela justificável ou não. "Todos me perguntam por que estou fazendo meu melhor trabalho agora, nesta altura da vida. Para mim, parece simples: sei mais hoje do que sabia aos 40, aos 50 ou aos 60 anos. E não parei de aprender", diz Eastwood.

A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima ampliam o escopo do diretor. Conquista mostra o ponto de vista americano da prolongada batalha na ilha japonesa e trata da desintegração psicológica enfrentada pelos soldados que, num lance registrado pelo fotógrafo Joe Rosenthal, da agência Associated Press, levantaram uma bandeira americana no cume da ilha, o Monte Suribachi, em 23 de fevereiro de 1945. A imagem (estampada nesta página, em sua versão original e na recriação meticulosa de Eastwood) mostra seis homens no instante em que levantavam o mastro improvisado. Graças à sua composição magnífica, que evoca a orquestração do esforço para a vitória, a foto funcionou como uma potente arma de propaganda de guerra, num momento crítico da terrível campanha do Pacífico. Três dos homens morreram nos dias seguintes ao registro. Os outros três foram levados de volta aos Estados Unidos, numa turnê para angariar fundos para o esforço de guerra. O objetivo do presidente Harry Truman era levantar 14 bilhões de dólares. John Bradley, Ira Hayes e Rene Gagnon encheram os cofres da Defesa com 28 bilhões. Mas, enquanto eram festejados, todos os três foram aos poucos desmoronando, vitimados pelo stress pós-traumático, pela culpa de terem sobrevivido e pela vergonha de usar o epíteto de heróis enquanto quase 7.000 de seus companheiros iam morrendo em solo japonês. A família de Bradley (Ryan Phillippe) só soube que ele havia sido condecorado por bravura após sua morte (seu filho, James Bradley, é co-autor do livro em que o filme se baseia, disponível no Brasil pela Ediouro). Gagnon (Jesse Bradford), que nunca entendeu a efemeridade da fama, levou uma vida desapontadora. O índio Hayes (Adam Beach), da tribo pima, voltou para sua reserva e morreu, de alcoolismo, aos 32 anos.

HERÓIS POR ACASO
Bradford, Phillippe e Beach, como os soldados que venderam 28 bilhões de dólares em bônus: vidas desmoronadas

Um sentimento natural – o de compaixão e indignação diante de tanto desperdício – perpassa A Conquista da Honra. O impacto vem do vigor desse sentimento, e das questões que Eastwood suscita a partir dele. As principais: a leviandade com que se emprega a palavra heroísmo e as cicatrizes que uma guerra deixa naqueles que são obrigados a atravessá-la. Contemplam, ainda, a ignorância do outro, mútua e obstinada, com que adversários se enfrentam num campo de batalha. Acima de tudo, porém, Conquista faz uma indagação política dirigida ao presente. Se a "última guerra justa" ensejou tantas atrocidades e manipulação, que se pode dizer de um conflito de motivações discutíveis e desdobramentos desastrosos?

O Iraque, por assim dizer, de Eastwood está em Cartas de Iwo Jima. Enquanto preparava Conquista, o diretor leu, num relato de um comandante americano, que o general Kuribayashi havia sido o militar mais brilhante de ambos os lados da campanha. Kuribayashi (belissimamente interpretado por Ken Watanabe, de O Último Samurai) cumprira parte de seu treinamento nos Estados Unidos, no fim dos anos 20, e adquirira noções estranhas aos preceitos militares japoneses da época. Decidido a impedir ou ao menos postergar a queda de Iwo Jima, aplicou idéias do oponente à sua estratégia. Ordenou que, em vez de cometerem haraquiri quando fracassassem em determinada frente de defesa, seus soldados se reorganizassem para continuar a resistência. Foi desobedecido em centenas de casos. Entre o suicídio ritual, a diarréia causada pela água contaminada e a artilharia americana, cerca de 21.000 dos 22.000 soldados japoneses concentrados na ilha perderam a vida. Mas o combate que deveria durar quatro dias durou um mês – como Kuribayashi planejava.

AP
EM GUERRA CONTRA O HARAQUIRI
Watanabe, como o general Kuribayashi, e, ao lado, um dos túneis que ele mandou escavar: depois dos americanos, o suicídio ritual foi o pior inimigo

Eastwood ficou fascinado com o militar e o homem, revelado nas cartas escritas à família durante a estada americana de Kuribayashi e de dentro dos túneis e cavernas que ele mandou escavar em Iwo Jima. "Nessas cartas, Kuribayashi fala à mulher, ao filho e à filha com a mesma afeição e as mesmas preocupações que as de qualquer outro pai, em qualquer outro lugar do mundo. Parece óbvio – mas pus na cabeça que deveria entender quem era cada uma das pessoas naquela ilha", explica Eastwood, que conseguiu o sinal verde para o projeto quando o primeiro filme já estava em andamento. Soa quase como traição dizer que Cartas é o melhor dos dois trabalhos (e é), uma vez que ambos funcionam como contraponto um ao outro. "Creio que nenhum de nós desejaria que a II Guerra tivesse terminado de forma diferente. Mas creio também que é possível compreender o inimigo e esperar que ele tenha a chance de viver e voltar para casa", diz o diretor.

Eastwood não é, por nenhum tipo de definição, um liberal no sentido americano da palavra (teve, aliás, diversos flertes com o Partido Republicano). Afirma, ainda, não ser um pacifista radical: "Acredito absolutamente em negociação. Mas existe gente que absolutamente não quer negociar". No entanto, é hoje um dos poucos artistas que se empenham em refletir de forma conseqüente sobre o gene americano (ou humano) da violência. Rever convicções e divulgar os próprios erros de julgamento é coisa para homens com H (abarcando-se aí ambos os sexos). Eastwood, que nasceu com o dom de nunca se incomodar com a opinião alheia, faz por merecer o uso da maiúscula. Olhando-se os dois extremos de sua carreira, o inicial e o presente, parece estar-se contemplando duas vidas diferentes. Se se observar a progressão de seu trabalho, porém, a vista é ainda mais impressionante: um cenário de transformação pessoal ininterrupta, quase sempre rumo a um ponto de vista mais compassivo e, simultaneamente, mais crítico.

Pelo lado pragmático, Eastwood tem uma receita simples para um bom filme: 50% estão na história certa e 40% na escolha correta dos atores. "Os outros 10% são você tentando sair do caminho que todo mundo segue e não atrapalhar demais", brinca. Gosta de sets tranqüilos. A título de curiosidade, nem "ação!" ele grita. Perdeu o hábito porque, nas filmagens de faroestes, o berro assustava os cavalos. Diz que freqüentemente só descobre o que acha sobre isso ou aquilo quando conversa com outras pessoas. "Atores e diretores que se fecham no mundinho deles perdem o equipamento necessário para entender como funcionam o mundo e as pessoas reais, e deixam de ser atores e diretores", diz Eastwood. "Salvo a ocorrência de algum tipo de senilidade", pretende se manter ligado e aberto a histórias que despertem seu interesse. Os genes estão a seu favor: sua mãe chegou aos 97 anos, e Eastwood cuida bem do patrimônio. Acredita que uma cerveja gelada ou uma taça de vinho são a conta certa. "Melhor que isso não fica", diz, suprimindo uma parte antes indispensável desse seu velho lema – aquela que adicionava ao drinque uma companhia feminina. Casamenteiro serial, jura que a jornalista Dina Ruiz, que conheceu em meados dos anos 90 e descreveu como "a melhor mulher que já encontrei", é a última senhora Eastwood. Com todas as rugas a que tem direito, mas aprumadíssimo no andar, o astro continua a provocar uma reação que lembra a abertura do Mar Vermelho em Os Dez Mandamentos: a multidão abre alas para dar passagem à lenda viva. Alguns se aproximam com juras de amor e admiração, que o astro deflete com uma combinação de cordialidade e distância, dosada em cinqüenta anos de prática.

Outra vantagem da idade é que ele já não dá a mínima para o relatório da bilheteria. "No começo, o estúdio não queria bancar Sobre Meninos e Lobos, porque achava a história muito sombria, nem Menina de Ouro, porque dizia que ninguém iria ver um filme sobre uma boxeadora. Menina de Ouro definitivamente não é sobre uma boxeadora; é sobre um homem que perdeu contato com a filha e reencontra esse amor numa outra moça. Aos 40 anos, eu talvez tivesse dado razão ao estúdio. Hoje, posso dizer: 'Obrigado, vou fazer o filme em outro lugar, porque essa é uma história que eu quero contar'."

Menina de Ouro é um dos muitos exemplos de que o instinto em que Eastwood tanto confia é quase infalível. Não só porque a história de boxe que mal e mal valia a pena financiar rendeu 217 milhões de dólares, mas porque, junto com Cartas de Iwo Jima, é uma das melhores depurações de um tema recorrente nesse novo ato da carreira do diretor: o dos filhos, ou os que fazem as vezes de filhos, como a criação mais vívida de que um homem é capaz, e também como sua ligação definitiva com o mundo. Eastwood, que tem presumidos sete filhos – as mais novas, as fofíssimas Francesca e Morgan, de apenas 13 e 10 anos –, torce um pouco o nariz para teorizações do gênero ("Coisa de francês", disse certa vez). Mas também não as desmente. "Filmes são mesmo como filhos. Você os faz, mas eles levam a vida deles." Dito por quem entende um bocado dos dois assuntos – filhos e levar a vida.


OS VERDADEIROS IMPERDOÁVEIS

Identificar a si mesmo no inimigo, como Clint Eastwood faz em Cartas de Iwo Jima, é um dos maiores desafios que qualquer ser humano pode enfrentar. E não apenas porque, para os Estados Unidos, o grande adversário na II Guerra foi o Japão imperial, que arrastou o país para a encarnecida luta no Pacífico ao bombardear Pearl Harbor. O que complica essa tarefa é um dos traços mais característicos da história recente do militarismo japonês – a selvageria sistemática dispensada aos inimigos. Para os chineses, as memórias de estimados 4 milhões de civis bombardeados, torturados, decapitados ou enterrados vivos durante a invasão de 1937 a 1945 são uma fonte inesgotável de incidentes diplomáticos. Já os milhares de ingleses, americanos e outros soldados aliados que tiveram o infortúnio de ser capturados pelo Japão foram privados da plenitude do direito de purgar as memórias dos hediondos campos de prisioneiros, em que a taxa de mortalidade rondava os 30% e inexistia o tratamento comparativamente menos brutal reservado pelos nazistas aos anglo-saxões por empatia racial: os japoneses da época acreditavam ser a raça superior. Primeiro, porque as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki reconfiguraram os japoneses em vítimas. Segundo, porque o conflito ideológico entre Estados Unidos e União Soviética criou a necessidade de cooptar o Japão, rapidamente, para o campo da democracia e do circuito econômico ocidental – o que foi feito com enorme sucesso. Por último, e não menos importante, devido à tenacidade da recusa do Japão oficial em enfrentar a própria história, omitindo dela as passagens menos lisonjeiras – sejam derrotas militares, como a de Iwo Jima, sejam evidências de conduta incivilizada. Poucas imagens da brutalidade dos guerreiros imperiais sobreviveram, e mesmo elas são constante objeto de disputa por parte do establishment japonês, que até hoje persiste em brigar com a realidade.

Esse comportamento brutal nada tem a ver com a "tradicional cultura japonesa", um clichê tantas vezes evocado, para o bem e para o mal. Ele vicejou no fim do século XIX, a partir de uma infelicíssima conjuminância. Entre seus ingredientes, contam-se a ascensão imperialista do Japão, uma visão doentiamente distorcida do milenar bushido – a doutrina samurai que prega o destemor completo em combate –, a exacerbação do nacionalismo e a adoção, como religião de Estado, do xintoísmo, segundo o qual o imperador era divino e a obediência devida a ele e a seus representantes, completa. Da destilação dessa mistura surgiu um elemento nefasto, que acarretou a destruição autoprovocada do próprio Japão e cerca de 30 milhões de mortes entre o fim do século XIX e 1945: a convicção de uma superioridade racial e cultural absoluta. Nem a vida dos soldados japoneses que não se submetiam totalmente a esse pensamento tinha algum valor. Que dirá, então, a dos "bárbaros" contra os quais o Império do Sol Nascente dirigiu sua belicosidade. Mais do que reconstruir o país e transformá-lo num prodigioso sucesso econômico, o maior feito da história recente do Japão foi enterrar esse passado tenebroso. Enterrar, evidentemente, não significa negar.