sexta-feira, dezembro 22, 2006

Um pacote contra a aritmética


editorial
O Estado de S. Paulo
22/12/2006

O governo adiou de novo o anúncio do pacote redentor - o conjunto de medidas para destravar a economia e fazê-la crescer 5% ao ano. Não foi por má vontade, mas por motivo de força maior: faltava o pacote. Foi o terceiro adiamento. Logo depois do segundo turno, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acenou com novidades para o final de novembro. Depois, o grande evento foi marcado para 15 de dezembro, uma sexta-feira. Não deu certo. Foi transferido para a quinta-feira seguinte, ontem, e mais uma vez suspenso. A divulgação só deverá ocorrer em janeiro, segundo o porta-voz da Presidência da República. “Era preciso ajustar algumas medidas que não estavam batendo”, explicou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, parcimonioso nos detalhes.

Quase dois meses depois da reeleição, a equipe de governo continua atolada em confusão, tentando improvisar medidas para estimular o investimento e mobilizar o apoio do setor privado. Até agora só conseguiu afrontar o bom senso e declarar guerra à aritmética. Não seria preciso, nem aconselhável, incluir no pacote uma política de médio prazo para o salário mínimo, mas esse foi um dos poucos pontos assentados.

Mais um aumento real, maior que o previsto anteriormente, foi acertado para 2007 e isso forçará uma nova revisão da proposta orçamentária. Além disso, foi definida uma fórmula para correções a partir de 2008: o salário básico será reajustado de acordo com a inflação e aumentado com base no crescimento do PIB de dois anos antes. Isso agravará a já muito precária situação da Previdência, mas por enquanto o governo só consegue programar bondades, sem pensar em como as contas serão fechadas. O ministro da Fazenda ensaiou alguma resistência, mas, como sempre, acabou aderindo à irresponsabilidade.

No mesmo encontro, foi sacramentada uma correção de 4,5%, e não mais de 3%, da Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física. Também isso afetará as contas públicas, porque diminuirá a arrecadação. Para acomodar essa perda, assim como o aumento do salário mínimo, a Comissão Mista de Orçamento recorrerá a um velho expediente: a conta de chegar. Elevará a estimativa da receita na proporção necessária para arrumar as contas, oficialmente, mas não para ajustá-las de fato. Poderá fazê-lo tantas vezes quantas sejam necessárias, porque o papel, como se sabe há séculos, suporta qualquer ofensa ao bom senso.

Ainda não se sabe qual será a reestimativa necessária, porque a lista de bondades não está fechada. Já se fala em renúncia fiscal de R$ 12 bilhões, mas o número poderá ser maior. Parte da maquiagem, no entanto, será feita de outra forma. Segundo admitiu o ministro da Fazenda, os gastos de capital sob a rubrica do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) serão eliminados do cálculo do resultado contábil. Se o governo quiser, o superávit primário continuará a refletir, no papel, sua promessa de austeridade fiscal. Será um resultado de mentirinha, porque não corresponderá à saída efetiva de dinheiro, mas esse detalhe, neste momento, é tratado como desimportante por uma parte dos envolvidos no debate. Alguns funcionários da Fazenda têm resistido à maré da irresponsabilidade financeira, mas sem sucesso.

Em depoimento no Senado, o ministro da Fazenda afirmou que o governo perseguirá “tenazmente” um crescimento econômico robusto, no segundo mandato, e ao mesmo tempo tentará controlar a expansão dos gastos correntes. Com isso, abrirá espaço para maiores investimentos públicos e, ao mesmo tempo, tornará possível a redução da carga tributária e do peso da dívida pública. Para estimular o setor privado, será fundamental, acrescentou, dar previsibilidade à evolução das contas públicas.

Mas o resultado mais previsível, até agora, é um desarranjo maior das finanças do governo. Com todas as bondades anunciadas até hoje - como a revisão dos vencimentos do funcionalismo e o aumento do salário mínimo -, as despesas correntes continuarão a crescer com rapidez. O peso do governo aumentará mais velozmente que o PIB, como vem aumentando há muitos anos, e o desajuste das contas públicas só não crescerá por milagre. Nessas condições, será preciso incluir no pacote um projeto de revogação das leis da aritmética. Uma boa medida provisória pode ser a solução.