sexta-feira, dezembro 22, 2006

O jeito de Lula governar


editorial
O Estado de S. Paulo
22/12/2006

Pode-se apontar (ou somar) muitas explicações para o adiamento do “pacote” de fim de ano com o qual o governo Lula pretende “destravar” o crescimento econômico. “O presidente entendeu que ainda é necessário um detalhamento dos projetos”, disse o porta-voz presidencial André Singer. “Quero fazer as coisas pensadas. Está tudo pronto, mas vou anunciar em janeiro. Agora, o pessoal só pensa em Natal e ano-novo” - foi a vez de o próprio presidente explicar. Para outros foram as decisões de corrigir a Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) em 4,5%, em vez dos 3% previstos, e de fixar um salário mínimo de R$ 380, em vez dos R$ 375 que constavam da proposta de Orçamento para 2007 - medidas estas que custarão R$ 1,1 bilhão acima do previsto, obrigando a área econômica a sair atrás desse dinheiro -, que levaram ao adiamento do “pacote”.

Talvez essas explicações sejam necessárias para os 71% de brasileiros que aprovaram o “jeito de Lula governar”, mas não para os 23% que não o aprovaram porque estão vendo que há quatro anos esse governo padece do mal do “adiamento crônico”, enfermidade político-administrativa nesse grau não acometida “nunca antes nesse país” - para usar expressão tão do gosto do presidente.

Desde 1º de janeiro de 2003 o “espetáculo do crescimento” é aguardado por uma platéia excepcionalmente paciente, dando até para desconfiar que ela bate palmas ante as cortinas fechadas, para apressar o início do espetáculo. Talvez seja essa a explicação para os elevadíssimos índices de aprovação desfrutados pelo presidente Lula, segundo os institutos de pesquisas de opinião.

Se a imagem retro pode parecer um tanto forçada, que se encontre então outra explicação para o estranho fenômeno: como é possível uma pesquisa de opinião detectar um grau de aprovação do “jeito de Lula governar” a ponto de considerá-lo o melhor presidente da República da História do Brasil?

A estranheza maior decorre do fato de essas pesquisas terem sido feitas durante o caos provocado pelo apagão aéreo e do estado de paralisia galopante do governo, decorrente da emperradíssima negociação do presidente com os partidos e lideranças políticas, tendo em vista a sua “reforma ministerial” e a construção de sua base de apoio parlamentar.

A bem da verdade esse governo teve - e tem - como únicos feitos reais a manutenção da política macroeconômica de seu antecessor e adversário e mais a política social assistencialista, de efeitos negativos a longo prazo, mas válida como socorro imediato. Quanto ao resto, na melhor das hipóteses tem sido absolutamente inócuo.

É um governo cuja substância mais notória tem sido o discurso, pois o “jeito de Lula governar” é fazendo discurso, como “nunca antes nesse país” se viu presidente fazer. Enfim, um governo de palavras (não confundir com de palavra).

Agora, se a intenção é “destravar” o crescimento, há que, preliminarmente, “destravar” o próprio governo, como temos repetido todos os dias. O “espetáculo do crescimento” tem sofrido de adiamento crônico, assim como a solução de problemas estruturais que emperram a produção e o desenvolvimento econômico. Disse o presidente: “Quero fazer as coisas pensadas.” Mas de quantos anos mais precisará para pensar - e concluir, e decidir, e fazer? Mais quatro serão suficientes?

Com o cenário internacional mais favorável em muitas décadas, com países emergentes aproveitando as oportunidades de crescimento como nunca, permanece o Brasil com crescimento de seu Produto Interno Bruto (PIB) abaixo da média mundial e bem abaixo da continental, tendo atrás apenas o desventurado Haiti.

Se um “pacote econômico” tem condições de colocar o País, finalmente, na rota do desenvolvimento acelerado - e o ambicioso objetivo é alcançar 5% de crescimento do PIB -, por que cargas d’água só agora, depois de quatro anos, viria ele à baila? Onde estariam armazenadas as idéias luminosas nele contidas? Que cabeças pensantes antes inativas, de repente passaram a produzir brilhantes fórmulas de crescimento? De onde lhes teria caído a súbita inspiração?

Fiquem as respostas a tais indagações adiadas para o próximo ano. Afinal, “agora o pessoal só pensa em Natal e ano-novo”.