quarta-feira, dezembro 27, 2006

Míriam Leitão - Sem decolar


Débora Thomé (interina)
O Globo
27/12/2006

Quatrocentos e quarenta e oito vôos cancelados. Dois mil duzentos e oitenta e dois atrasados. Esse foi o resultado do caos que se intensificou nos aeroportos neste feriado de Natal: de sexta-feira até o dia 25. Os números são altos, mas eles não contam a história de tantas pessoas que não puderam passar o fim de ano com suas famílias, ou que não conseguiram voltar a tempo para trabalhar.

Esses dramas individuais ocuparam o noticiário durante o Natal. Houve todo tipo de caso: de gente que passou a data longe dos pais ou dos filhos; de gente que iria viajar pela primeira vez de avião, que tinha feito o pagamento em parcelas e que, na hora H, não conseguiu decolar. De horas infindáveis de espera, passageiros que decidiram ir de ônibus, de quebra-quebra e protesto.

Ontem, a situação estava um pouco melhor, com a Anac registrando "apenas" 37 cancelamentos de vôo; bem menos que a média diária de 112 dos últimos dias. Mas não há qualquer garantia - ou sinal - de que a paz reinará nos aeroportos no Ano Novo.

Este ano o que não faltaram foram problemas na aviação no Brasil; começando por todo o imbróglio envolvendo a Varig. No ano passado, as três maiores empresas: TAM, Varig e Gol eram responsáveis por 91% do mercado de vôos domésticos. A TAM com mais, com 41%, e tanto Gol quanto Varig - esta já com muitos problemas - repartiam os outros 50%. Com as mudanças deste ano, o mercado doméstico está ficando cada vez mais concentrado nas mãos da Gol e da TAM, ainda que as três primeiras continuem com os 91%. A TAM aumentou sua participação para 47,7% e a Gol para 33%; enquanto o Grupo Varig agora não alcança os 11%. As empresas menores continuam com a mesma parcela. Nos Estados Unidos, o mercado é bem mais diluído. A American Airlines, com a maior porção dos vôos domésticos, tem apenas 15,6% de share.

Tamanha concentração no Brasil na mão de apenas duas empresas aéreas é criticada por especialistas do setor. Os preços exorbitantes, que chegam a fazer com que uma passagem triplique de preço apenas com a mudança de horário, mostram que a maior concorrência era saudável. Essa concentração de mercado tem só aumentado ao longo do ano. No acumulado até novembro, TAM e Gol têm, juntas, 80% de participação no mercado doméstico. Contudo, se olharmos só o mês de novembro, este percentual já vai para 87%; o da Varig cai para 5%, semelhante à parcela do mercado que cabe à OceanAir e à BRA juntas. Mercados tão concentrados e com tantas especificidades exigem órgãos governamentais e uma agência atuantes, que consigam organizar de maneira eficaz o setor; do contrário, é o que se viu nestes últimos dias.

Os problemas da aviação não se restringem só ao Brasil. Neste mesmo Natal, muita gente sofreu com a Air Madrid. Uma matéria do jornal "El País" contava que a empresa espanhola chegou a vender bilhetes para cidades nas quais ela sequer operava.

Para além desses casos pontuais (mas não menos dramáticos), desde o 11 de Setembro, o setor vive tempos difíceis. As perdas acumuladas na indústria mundial de aviação, de 2001 a 2005, segundo a Iata, foram de US$40,7 bilhões. Para este ano, a Associação de Transporte Aéreo melhorou a previsão e as perdas serão de US$500 milhões. Somente em 2007, o resultado deve voltar a ficar positivo; com US$2,5 bilhões de lucro. Na América Latina, tanto para este ano quanto para 2007, esperam-se US$100 milhões de lucro. Agora, para esta previsão funcionar, o preço do petróleo terá que continuar no mesmo patamar, pois nem todo aumento de custo consegue ser repassado para as passagens. Há 10 anos, o combustível não chegava a 10% dos custos operacionais. Hoje já equivale a 25%.

Desde o ataque às torres gêmeas, voar se tornou mais difícil e mais cansativo em qualquer lugar do mundo. Neste último agosto, uma suspeita fez com que se proibisse o embarque de uma série de produtos na bagagem de mão. Filas intermináveis na Europa, nos Estados Unidos, atrasos e muita perda de dinheiro. Contudo, mesmo com toda essa complicação para voar, a Iata calcula que, até 2010, mais 500 milhões de pessoas no mundo estarão voando - ou tentando voar. Metade desse incremento virá da Ásia, que, a partir de então, seria o maior mercado também para a aviação. A Europa será a segunda região que mais vai crescer, de acordo com esse cenário, principalmente por causa da demanda dos ex-países socialistas, como Polônia, República Tcheca e Hungria. Mas a Iata alerta que o aumento de demanda poderá esbarrar em problemas de infra-estrutura nos aeroportos.

Um grande destaque nos últimos anos na Europa foram as companhias low-cost, que sustentaram algum crescimento da aviação. Tanto no Velho Continente quanto nos vôos domésticos americanos, elas chegam a 30% do mercado. Este número é menor na América do Sul, mas relevante: pouco menos de 20%. A Gol, que nasceu como uma dessas empresas que poupavam nos serviços para que o preço da passagem fosse mais baixo, na prática, hoje, é uma companhia beneficiada pela falta de competição.

Na Europa, o êxito de empresas como a Ryanair, que hoje voa para mais de 100 destinos, é impressionante. Para competir, as grandes companhias estrangeiras estão tentando cortar gastos em toda sua cadeia produtiva; mesmo assim, a diferença proporcional de custos em alguns segmentos permaneceu inalterada - ou aumentou.

Atualmente, o tráfego aéreo brasileiro corresponde a menos de 2% do mundial. Os três principais aeroportos que atendem à cidade de Nova York, somados, equivalem aos aeroportos brasileiros. Mesmo sendo pequenos, fazemos uma confusão enorme. Se o Brasil quer crescer, sem dúvida, ele precisa conseguir voar.