O Globo
28/12/2006
Não será por falta de diagnóstico que o governador Sérgio Cabral deixará de fazer um bom governo. O que o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) fez para a Associação Comercial do Rio de Janeiro, a pedido do empresário Olavo Monteiro de Carvalho, se aprofunda na contextualização histórica do quadro atual, e sublinha o caráter eminentemente metropolitano de nossos problemas. O economista André Urani, que coordenou o trabalho, vê necessidade de buscar soluções de novo tipo para o que chama de "crise de identidade em que mergulhamos nos últimos 50 anos". Ele ressalta que as condições que fizeram o Rio de Janeiro se transformar em uma metrópole no século passado não existem mais: o Rio não é mais a capital, não é mais uma cidade industrial, nem é mais um porto tão importante assim. "São vocações que foram perdidas e precisam ser reinventadas".
As conseqüências são visíveis: da primeira metade do século passado até hoje, o Rio cresceu menos que o Brasil. Nos últimos 15 anos essa tendência vem sendo revertida, mas por causa do petróleo, que não tem grandes repercussões para a maior parte da população. E dentro do estado, a região metropolitana tem ficado para trás, com destaque para a capital. "A cidade do Rio tem hoje o mesmo PIB que nos tempos da fusão, o que representa três décadas perdidas, e, em termos de PIB per capita, encolhemos a praticamente 1/3", ressalta Urani.
André Urani diz que só não estamos pior por causa do peso crescente das aposentadorias. "Hoje um de cada três reais que circulam na economia da região metropolitana do Rio vem da aposentadoria, o que tem sido um amortecedor da queda mas, ao mesmo tempo, é um sinal de alerta para o futuro", adverte.
Ele dá como exemplo o que se fez em outros cantos do mundo que passaram, em menor ou maior medida, por crises parecidas, e que souberam se reinventar, cidades (ou metrópoles) tão diferentes quanto Barcelona, Nova York, Estocolmo, Milão, Baltimore, Filadélfia, Pittsburg, ou Glasgow, e regiões como a Westfalia-Norte Renânia, o Piemonte ou o Norte da França, em torno de Lille, nas proximidades da fronteira belga.
"Em praticamente todos estes casos, a reinvenção passou pelo alargamento do espaço público para além das tradicionais fronteiras estatais; ou seja, não apenas por uma vasta e diferenciada gama de parcerias público-privadas, mas pela criação de instituições de novo tipo, juridicamente privadas, mas de interesse público, voltadas à promoção da revitalização dos territórios em questão e com o envolvimento direto das empresas privadas nas ações neste campo".
Daí a estratégia traçada junto à ACRJ, focando "a questão nevrálgica de melhorar o clima de negócios da Região Metropolitana". Urani fala em "desmantelar uma vasta conspiração contra todos aqueles que ousam, não obstante tudo, ter a audácia de empreender". Ele cita obstáculos como "um flagrante desrespeito aos direitos básicos de propriedade, a insegurança física (violência), uma burocracia e a uma carga tributária sem iguais e um acesso pra lá de incipiente a todos os serviços que seriam necessários para dar ao empreendedor chances mínimas de prosperar: capacitação, assistência técnica, jurídica e contábil, crédito, apoio à comercialização, infra-estrutura".
Para abrir uma empresa no Rio, o empresário tem cinco passos a mais na burocracia do que em Minas Gerais, e leva 30 dias, enquanto em Vitória o prazo é de apenas seis dias. Segundo o Banco Mundial, a carga tributária do Rio é a maior do Brasil, e se todos fossem pagar todos os tributos, gastariam o dobro do seu lucro bruto."Por isso a informalidade é imensa, e a saída de empresas do estado também. Ou então resta a corrupção dos fiscais", ironiza Urani.
Com base nisto, a partir da ACRJ, o diagnóstico sugere uma estratégia focada em um tripé. O primeiro pilar é abrir uma permanente interlocução do setor privado com os diferentes níveis de governo, "de maneira a pressionar por uma maior defesa dos direitos de propriedade, uma amenização da via-crucis burocrática e por uma redução da carga tributária, bem como por políticas públicas mais voltadas à promoção do empreendedorismo".
O segundo é o Fórum "Ambiente de negócios e a base da pirâmide na Região Metropolitana do Rio de Janeiro". Nesse ponto, André Urani cita o economista indiano Prahalad, professor da Universidade de Minessota, consultor de multinacionais, que diz que só é possível combater a pobreza através do lucro, e o grande negócio é transformar os pobres em clientes. "Os bancos comerciais têm interesse em ampliar suas bases de clientes, as empresas de telefonia têm interesse em crescer nas camadas C, D e E, e assim por diante. A questão é produzir questões conjuntas, ligar as duas pontas". O terceiro pilar é a montagem de um observatório independente para monitorar e avaliar os esforços feitos na direção da melhora do ambiente de negócios.
O governador eleito do Rio Sérgio Cabral superestimou a força dos governadores do Sudeste quando avaliou que os quatro estados representavam 64% do PIB nacional. Nos últimos números do IBGE, referentes a 2004, a parcela de São Paulo caiu de 36,1% em 1985 para 30,9%. O Rio de Janeiro tem 12,6%; Minas Gerais 9,4% e o Espírito Santo 2%. Com isso, a fatia do Sudeste no PIB nacional caiu de 60,2% para 54,9%.