O Globo |
22/12/2006 |
Tudo indica que o deputado Aldo Rebelo caiu numa esparrela ao assumir com tanta ênfase a defesa do auto-aumento de 91% dos subsídios dos parlamentares para se manter na presidência da Câmara. Abandonado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que tirou o corpo fora assim que viu que a reação estava muito forte contra o super-aumento, Aldo agora parece estar sendo abandonado pelo Palácio do Planalto, que abençoa, na figura do próprio presidente Lula, um acordo político entre o PMDB e o PT para se revezarem na presidência da Câmara nos quatro anos da próxima Legislatura. Aldo Rebelo contava com o reconhecimento por seu esforço para garantir a vitória, como se, num jogo marcado por golpes baixos, a lealdade tivesse peso preponderante. Já Renan Calheiros colhe os frutos de sua atitude ambígua, se beneficiando inclusive de algumas traições que parecem amadurecer contra a candidatura oposicionista do senador Agripino Maia, do PFL. Aldo Rebelo, que pensava contar com o apoio de Lula e se colocou nos braços do "baixo clero" no episódio do aumento, agora está sozinho, com esperanças de ter "a companhia de Deus", como comunista do Brasil que é. O acordo entre o PMDB e o PT tem pelo menos uma vantagem: tem o aspecto de um trato político, ao largo dessas negociações espúrias que passaram a dominar as eleições das Mesas da Câmara e do Senado. Não que elas não ocorressem antes, mas até a eleição de Severino Cavalcanti elas eram pelo menos mais envergonhadas, por baixo do pano. Pode ser que essa convulsão social que a gota d"água do aumento abusivo provocou tenha servido para que a elite das duas Casas se dê conta de que estava sendo engolida pelo "baixo clero", que estava dando as cartas nessa eleição para as Mesas da Câmara e do Senado. Esse processo de severinização dos trabalhos legislativos precisa ser estancado, já foi longe demais. E isso é perigoso para a democracia. Se o Congresso sair dessa crise em que se meteu mais amadurecido, poderemos ter uma melhoria inclusive da eficiência legislativa, que deixou muito a desejar nessa última legislatura, considerada a pior não apenas do ponto de vista ético, mas também da produtividade parlamentar. Todas essas denúncias que vêm se sucedendo - de notas frias para justificar despesas; de faltas perdoadas por atestados médicos fajutos; de viagens a serviço em que os representantes do Congresso brasileiro chegam atrasados às reuniões por estarem nas compras, isso quando chegam - fazem parte de um conjunto que só denigre a imagem da instituição diante do eleitorado. Existe um longo trabalho a ser feito para que o Congresso volte a ser considerado um órgão confiável pelos eleitores, e a decisão do Supremo, transferindo para os plenários das duas Casas o que até agora era prerrogativa de uma cúpula, pode ser o início da retomada das negociações políticas dentro do Congresso. A eleição do deputado Severino Cavalcanti para a presidência refletiu uma tendência que, se não era majoritária dentro da Câmara, faltava pouco para ser. Tanto que hoje, mesmo que figuras respeitáveis como Aldo Rebelo estejam no comando das ações, o espírito severino rege as negociações. Os líderes da oposição que decidiram, naquela ocasião, se juntar ao "baixo clero" para derrotar o candidato do governo, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, e infligir uma derrota ao governo, se co-responsabilizando por um dos piores momentos do nosso Parlamento, são os mesmos que, no episódio do auto-aumento, não resistiram à tentação e embarcaram no mesmo movimento que foi quase unânime. A participação de Carlos Sampaio, do PSDB, na ação de inconstitucionalidade apresentada ao Supremo, não conseguiu fazer com que a oposição tivesse a paternidade do movimento. Os deputados Raul Jungmann, do PSB, e Fernando Gabeira, do PV, são justamente reconhecidos pela sociedade como os autores da ação. O "baixo clero", que sempre fora excluído das grandes decisões da Câmara, passou a ditar a pauta e o ritmo dos trabalhos, ao mesmo tempo em que a tendência centralizadora do Executivo ajudava a paralisar o funcionamento do Congresso com a edição desenfreada de medidas provisórias. Essa situação tornou-se freqüente desde que entrou em vigor, em 2001, a Emenda Constitucional 32, que prevê que medidas provisórias não apreciadas até 45 dias após a edição passam a obstruir as votações na Casa legislativa onde tramitam. Como vinham sendo editadas em torno de seis medidas provisórias por mês, na prática a regra acaba restringindo o exame de outras propostas, sobretudo daquelas de iniciativa dos próprios parlamentares. A tendência de o Executivo se sobrepor ao Legislativo e tentar comandar o processo político é mundial, registrada em grande parte dos países democráticos. A média de processos de origem do Legislativo no mundo está em torno de 5%, agravado no Brasil pelos problemas colaterais de corporativismo que servem para degradar a imagem do Legislativo. Para se contrapor ao Executivo nessa disputa de poderes, o Legislativo teria que ter legitimidade para se impor. É esse o caminho que se abre para a próxima Legislatura, se os futuros presidentes das duas Casas, sejam eles quem forem, entenderem que um grupo de políticos sérios, sintonizados com os melhores anseios da sociedade, está tomando a dianteira nesse processo. |