Passada a eleição, grupos governistas ensaiam campanha para intimidar a imprensa livre e coibir o direito à informação
CONFIRMA-SE o ceticismo a respeito da brandura que marcou a atitude da campanha de Lula para com a imprensa no segundo turno. Um verniz de humildade substituíra a arrogância, o desapego à prestação de contas e a truculência do petismo governista enquanto interessava ao cálculo eleitoral. Fechadas as urnas, setores da militância do PT puseram em marcha uma campanha que tenta intimidar meios de comunicação independentes.
Na segunda-feira, um grupo de petistas -muitos dos quais gozando de prebendas no funcionalismo federal- se arrogou o direito de fazer uma "triagem" dos jornalistas que cobriam o primeiro retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio da Alvorada como presidente reeleito. Um repórter foi agredido.
Particularmente grave foi o episódio de ontem em que um delegado federal usou um inquérito interno como pretexto para intimidar jornalistas da revista "Veja". Mandou às favas o direito de uma repórter de consultar seu advogado. A intenção do policial era a de, ao feitio das ditaduras, enviar um "recado" aos responsáveis pelo semanário.
Não surpreende a hostilidade. Durante mais de um ano, lideranças e "intelectuais" do PT, para não mencionar o próprio presidente Lula, acalentaram a farsa de que os flagrantes de corrupção sistêmica em seu governo teriam sido fruto de uma conspiração da mídia.
Nos incautos que esperavam uma mudança agora, após a refrega do dossiegate, Marco Aurélio Garcia desferiu um choque de realidade. O presidente do PT repudiou a violência de militantes em Brasília, mas não se esqueceu de dar um "conselho" à imprensa. Sugeriu "auto-reflexão" à mídia, afirmando que ela deve ao país a informação de que o mensalão não existiu.
Às páginas 11 e 12 de denúncia assinada em 30 de março pelo procurador-geral da República, lê-se que uma quadrilha, integrada por membros da cúpula do governo e do PT, agia em plano federal com o objetivo de "garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores mediante a compra de suporte político de outros partidos".
"Auto-reflexão" deveriam ter feito o PT e o governo. As cúpulas de ambos desmoronaram, mas a necessária depuração dos métodos e dos quadros não ocorreu. Sobreveio, como filho da impunidade, o escândalo do dossiê. Mais uma série de cabeças petistas rolou, mas a lição ainda não foi assimilada.
Lideranças do PT continuam a alimentar a ira de correntes partidárias descompromissadas com a soberania das leis. Envereda pelo mesmo caminho o governador Roberto Requião, conhecido pela boçalidade, que inventou um complô de veículos de comunicação para explicar sua reeleição apertadíssima no Paraná.
O que essas manifestações de hostilidade ameaçam é muito mais do que a imprensa: é o direito da sociedade de ter livre acesso à informação e à opinião. A pretexto da vitória legítima de Lula, tentam silenciar o jornalismo crítico. As urnas não outorgaram nenhum tipo de anistia para os crimes cometidos pelos companheiros do presidente.
Ainda há muito a esclarecer.