Artigo - Roberto Macedo |
O Estado de S. Paulo |
30/11/2006 |
As críticas à expansão dos gastos públicos federais se concentram no Executivo, que responde pela maior parte da conta. Mas é no Legislativo, no Judiciário e no Ministério Público (MP) que vêm avançando com maior velocidade. Uma razão é que esses Poderes não compartilham as mesmas responsabilidades do Executivo pela condução da política econômica e pelos seus resultados, como os de inflação, crescimento do PIB, resultado orçamentário e dívida pública. Assim, segundo Marcos Mendes, um dos organizadores do livro Gasto Público Eficiente, objeto de artigo meu neste espaço (16/11), enquanto no Executivo o aumento real dos gastos com funcionários foi de 12% entre 1995 e 2005, nesses outros Poderes os acréscimos foram de 63%, 133% e 114%, respectivamente. Os diversos Poderes também se distinguem por sua motivação ao gastar. No Executivo, o objetivo central do governo Lula foi o de permanecer no poder. Assim, 2006 foi marcado por gastos eleitoreiros, em particular o forte aumento real do salário mínimo e a expansão do Bolsa-Família, num processo construído ao longo de quatro anos, alimentado pelo crescimento da carga tributária, e que teve outros ingredientes, como a ampliação dos empregos públicos e dos cargos não preenchidos por concurso. No Legislativo, o objetivo de assegurar novo mandato se evidencia de forma mais arraigada, pois há muito tempo deputados e senadores aprovaram, com exclusividade para si, o permanente financiamento público da campanha seguinte. Isso ocorre mediante verbas para contratação de assessores que trabalham com esse objetivo, ao lado de outras benesses como franquia postal e telefônica. Ao fim do mandato dos deputados e de parte dos senadores, como agora, sempre surge a discussão do reajuste salarial que vigorará no quadriênio seguinte, a incidir sobre a remuneração atual de R$ 12.700 por mês, também aguardado por deputados estaduais e vereadores, pois o decidido em Brasília repercute sobre suas remunerações. Mais uma vez, alguns congressistas propuseram o absurdo de equiparar seus salários aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja remuneração, hoje de R$ 24.500 por mês, em tese é o teto do funcionalismo. Ora, os parlamentares não têm tarefas equivalentes às desses ministros. Em particular, muitos não exercem seus mandatos em tempo integral. Na realidade, essa proposta poderá servir como o bode daquela história na qual, depois de retirado da casa onde foi colocado, isso traz um grande alívio para quem vive nela, e coloca em segundo plano outros sérios problemas da habitação. Ou seja, trata-se de chocar o cidadão para que se indigne menos com um reajuste para, digamos, R$ 17.800. Passando ao Judiciário e ao MP, sua cúpula não fica atrás na busca de novas vantagens. Disse acima que, em tese, a remuneração dos ministros do STF constitui o teto dos salários do funcionalismo, mas esse teto continua sendo desobedecido em escala nacional. Ainda ontem veio a notícia de que 2.978 juízes e outros servidores do Judiciário dos Estados ganham acima do seu teto específico, proporcional ao citado. Por isso, quando em junho de 2005 surgiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a atribuição, entre outras, de adequar as remunerações do Judiciário ao teto "vigente", veio a esperança de que essas aspas desapareceriam. Recentemente, entretanto, membros do próprio CNJ propuseram receber jetom por suas duas reuniões mensais, na base de 10% de suas remunerações a cada reunião, o que faria com que o total recebido ultrapassasse o referido teto. Convenhamos que não fica bem aplicá-lo na base do "faça como eu digo, mas não como eu faço". Em particular, não se sustenta a argumentação da ministra Ellen Gracie, presidente do STF e do CNJ, de que a gratificação por presença em sessões é "prática em todos os conselhos que existem... em particular naqueles que eu conheço". Sugiro que alguma universidade pública, como a USP, por exemplo, convide a ministra para conhecer seus vários conselhos em que o jetom não é praticado. E, se lá conversasse com algum especialista no uso do tempo, quem sabe concluiria que a um eventual jetom nas reuniões do CNJ deveria corresponder um desconto de igual valor correspondente ao tempo não dedicado pelos membros às suas funções nos órgãos de origem. A idéia do jetom surgiu noutro conselho, o Nacional do Ministério Público (CNMP), que conseguiu aprovar projeto no Congresso estabelecendo a prática, felizmente vetado na terça-feira, num excepcional e bem-vindo momento de lucidez fiscal do presidente Lula. Se a moda não parar por aí, há o risco de pegar, com conselhos já existentes reivindicando jetons, e de surgirem novos conselhos, como os do mesmo tipo no plano estadual. Na segunda-feira, noutro elogiável movimento, o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, retirou da pauta de votação o projeto de jetom para o CNJ, e outros que reajustavam os salários dos ministros do STF e criavam mais cargos nesse órgão. Isso, contudo, não exclui sua eventual votação no futuro. Em retrospecto, nem essa providência, nem o referido veto presidencial garantem que o emprego e os salários do setor público passarão a ser objeto de uma política criteriosa. Com mais empregos, um aumento salarial aqui, uma equiparação ali, a folha salarial do governo federal nos seus vários Poderes continuará a crescer de modo permanente. Não há pudor fiscal, pois eles não mostram uma preocupação permanente com o contribuinte que paga a conta, com o uso alternativo que poderia ser dado ao dinheiro e com o dano que suas ações trazem às contas públicas e ao crescimento econômico do País. |