O Estado de S. Paulo |
23/11/2006 |
A proposta e aprovação no Senado de um abono adicional, a título de 13º, aos beneficiários do programa Bolsa-Família foi evidentemente uma urdidura irônica da oposição. Neste aspecto, a piada - a despeito de suas excelências não terem sido eleitas para se divertir - atingiu seu objetivo: mostrou a desarticulação política em que se encontra a chamada base governista no Congresso e expôs a covardia política dos aliados do presidente Luiz Inácio da Silva. O abono não tem chance de prosperar e, sendo assim, sua aprovação encerra um quê de crueldade, ao mexer com as expectativas dos mais pobres. Não passará na Câmara e, se passar, não resistirá ao exame dos tribunais, pois o Legislativo não pode criar despesas para o Executivo sem apontar a fonte da receita, no caso da ordem de R$ 700 milhões. Mas do ponto de vista da ação congressual pode acabar servindo de lição ao governo sobre sua organização no Parlamento e o princípio que norteia relações entre governo e oposição, além de dizer muito a respeito do papel de cada um. O líder do governo no Senado, Romero Jucá, deu tom de acusação a uma constatação acaciana. "A oposição fez jogo político", disse ele, perdendo-se na evidência de que jogo político é exatamente o que se faz na política, no Congresso, o espaço reservado a isso mesmo. À oposição cabe se opor e não, como parece supor o presidente Lula, servir de coadjuvante aos seus impulsos publicitários, com os quais pretende preencher o vácuo de ações governamentais objetivas. Entre essas ações, a de articular politicamente as votações para ganhar e derrubar, no voto, propostas inexeqüíveis ou contrárias a seus interesses. À oposição os governistas lançaram também a acusação de exercício vão da demagogia. Sem nos estendermos em detalhes a respeito de autorias e do maior ou menor grau de demagogia contido no assunto em pauta, o Bolsa-Família, passemos ao essencial: mais demagogos que os senadores governistas, que votaram contra, mas se esconderam para não defender na votação a derrubada da proposta, impossível. Senão, vejamos a explicação do senador Sibá Machado, o petista encarregado de atuar pelo governo na sessão: "Sou daqueles que acham que, quando a água corre para um lado, não adianta lutar contra." Seria uma descortesia definir a conduta de um senador da República como a de maria-vai-com-as-outras. Mas, no caso, Sibá reivindicou ele próprio essa condição sem pejo. Se a base do governo não teve brio para fazer sua tarefa, é de se perguntar por que mesmo a oposição o faria em seu lugar. Seria o mesmo que se presidentes anteriores tivessem se rendido às exorbitâncias do PT quando na oposição e, por exemplo, se limitassem a reclamar se a Lei de Responsabilidade Fiscal não fosse aprovada, atribuindo isso à irresponsabilidade dos oposicionistas. Governos precisam fazer a sua parte que, não por acaso, é a maior parte. Aqui o atento e informado leitor poderia contra-argumentar no tocante à organização da base, alegando que no mesmo dia na Câmara o governo obteve uma vitória ao derrubar o aumento de 16% nas aposentadorias dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo. De fato, Lula tem maioria na Câmara. Mas, sendo mesmo bem arguto, o leitor verá que a vitória se deu por apertados 26 votos. É pouco, margem perigosamente estreita para quem tem PT e PMDB, os dois maiores partidos da Casa. Como dantes A conclusão do inquérito policial diz que a morte do prefeito Celso Daniel não teve motivação política, não atesta que foi crime comum. A suspeita de que o assassinato tenha sido cometido para calar Daniel a respeito de um esquema de corrupção na prefeitura de Santo André permanece de pé, pois queima de arquivo de corruptos não é ação política, é crime de mando. Bendita é a foto Todos os envolvidos no dossiê Vedoin estão dizendo em seus depoimentos à CPI dos Sanguessugas que ao participarem da trama nada sabiam sobre dinheiro. Fizeram o que fizeram por diletantismo. Quer dizer, se o delegado Edmilson Bruno não fotografa e divulga as fotos da dinheirama, os rapazes eram bem capazes de dizer agora que o R$ 1,75 milhão apreendido num hotel em São Paulo nunca existiu, a não ser nas mentes pérfidas da imprensa e da oposição. Apropriação O presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, associou-se à prática de atacar por não ter como se defender. Durante uma entrevista ele não gostou das perguntas do repórter Chico Otávio, do Globo, sobre contratos da Petrobrás com organizações não-governamentais e disse ao jornalista: "Evidentemente você não é uma pessoa bem-vinda aqui." Gabrielli cometeu um grosseiro equívoco ao agir como capitão de indústria privada quando é apenas o presidente nomeado - demissível, portanto - de uma estatal. Empresa pública da qual, não sendo dono, não pode também escolher os gratos e os não gratos em suas dependências. |