Editorial |
O Estado de S. Paulo |
23/11/2006 |
Logo no começo do governo Lula, o governador mato-grossense Blairo Maggi – e não “Magri”, nem “Bagre”, como o presidente chegou a chamá-lo em discurso, anteontem – saiu acabrunhado de uma reunião no Planalto. Disse que se dera conta da imensa distância entre as palavras (as intenções do presidente) e os atos (a sua capacidade de transformá-las em realidade). Seria interessante saber o que pensa o maior plantador de soja do País depois de ouvir as palavras com as quais Lula reconheceu o que já ficou patente para observadores de diversas tendências: ele continua convencido de que governar é fazer discursos. O presidente foi a Mato Grosso a pretexto de inaugurar uma usina de biodiesel e um trecho pavimentado de 14 km, pronto há três meses, de uma estrada federal cujos 280 km restantes ainda são de terra. Na verdade, ele não escondeu que o motivo que o levou às paragens de Sapezal, para a festa da estrada, e às de Barra dos Bugres, para a da usina, foi demonstrar gratidão a Maggi, o único líder rural que o apoiou na reeleição (e, ainda assim, só no segundo turno). Em clima de palanque, o seu hábitat natural, fez três discursos, um dos quais não programado. Afinal, como explicaria depois aos jornalistas, “já que tinha um microfone e tinha gente, vamos falar”. Mas o pior foram as coisas que disse em seus discursos – a começar pela confissão que deve ter deixado aturdido o seu anfitrião empreendedor. Pois, quase chegando ao fim dos seus primeiros quatro anos na chefia do Estado, Lula admitiu não ter a mínima idéia sobre o que fazer para cumprir o que de mais importante prometeu em sua campanha reeleitoral: a promoção do desenvolvimento em ritmo muito mais acelerado do que o conseguido até agora. Ou, conforme a sua própria expressão, “destravar o Brasil”. Como? “Não me pergunte o que é ainda, que eu não sei, e não me pergunte a solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar.” Ele até marcou data para esse momentoso encontro: 31 de dezembro. Pelo visto e ouvido, é disso que se trata: de tanto ser candidato, antes, durante e, pelo jeito, depois do seu primeiro período no Planalto, o presidente da República, no íntimo dos íntimos, não se percebe como tal e marca para a véspera de sua nova posse o prazo final para a descoberta da fórmula do verdadeiro espetáculo do crescimento, já que o outro, por ele antecipado em 2004, não foi exatamente... espetacular. Depois dessa, fica-se sem saber sobre o que ele “vai conversar com todo mundo”, como repetiu que vai fazer. Com os que, como o PMDB, querem cargos no governo, com certeza sobre quantos serão e quem os ocupará. Mas, e com a oposição? Para que políticas pedirá apoio? E que razões haverá para confiar em que, no máximo até o derradeiro dia de 2006, o Altíssimo, na sua infinita bondade, abençoará a sua criatura com a iluminação que lhe sonegou até agora? Se, novamente nas suas palavras, a crise do setor agrícola o apanhou “de calça curta”, e nessa constrangedora situação está diante da crise do crescimento minimalista do País, o que precisará acontecer para cobrir a seminudez da sua escassez de idéias sobre os meios para os fins desejados pela sociedade inteira? E não é apenas em relação à gestão da economia que Lula está pedindo um tempo, como se diz. O mesmo vale para a negociação política, cuja pilotagem ele avocou a si, temerariamente. Perguntado sobre o seu palpite infeliz de criar um conselho de ex-presidentes, repetiu a receita: “Eu não sei. Me deixe trabalhar que eu vou pensar direitinho no que eu vou fazer.” Aliás, o estudioso da psique humana que se der ao trabalho de fazer a anatomia da sintaxe lulista com toda a probabilidade logo identificará o seu apreço excessivo pelo pronome que ressalta o emprego dos verbos na primeira pessoa do singular. Depois da eleição Lula passou a ser o mais egocêntrico dos presidentes brasileiros. E em Mato Grosso, lembrando críticas recebidas de agricultores, dispensou o pronome para falar de si próprio na terceira pessoa: “Houve um tempo em que disseram que o presidente Lula não gostava da agricultura...” Ainda intoxicado com o triunfo nas urnas, ele se crê capaz de dissolver pela palavra os problemas do Brasil. Ele confessou que não gosta de governar: “A gente não deveria falar governar, deveria falar cuidar. Eu tenho de cuidar das pessoas pobres desse país.” Pobres ou não, felizes seriam os brasileiros se isso bastasse. |