domingo, novembro 26, 2006
Agroenergia: novo paradigma agrícola - Roberto Rodrigues
Com tecnologia, é possível dobrar, em 10 anos, a produção de álcool por hectare. Da mesma forma que a segurança alimentar foi um tema dominante nas discussões do pós-guerra, contribuindo com a formação da Comunidade Econômica Européia (CEE) e com o lançamento da política agrícola comunitária, atualmente ganha destaque estratégico em todo o planeta a questão da segurança energética. Não se fará desenvolvimento sem energia. E, no caso das diferentes alternativas para combustíveis, cresce a atenção internacional para os de origem agrícola como o etanol e o biodiesel. O Brasil tem uma liderança notável no assunto, dada a experiência de 30 anos do uso do etanol, desde o Proálcool, criado em 1975 como resposta aos choques do petróleo. O tema tem uma dimensão muito maior do que se tem escrito e discutido: tratase de uma mudança de civilização. É interessante, a propósito, que em poucas décadas do século XX tenha sido constituída toda uma civilização energética sobre um produto finito, fóssil, mal distribuído entre os países e manejado por poucas empresas, o petróleo. É verdade que isto tudo se deu graças a preços muito baixos dos seus derivados, assim como, naquele tempo, a questão ambiental não era relevante. De qualquer maneira, hoje está evidente que esta era vai chegando ao ocaso. E que a biomassa é a grande saída, no propósito da construção de outra civilização, muito mais democrática (porque qualquer país pode produzir seu próprio combustível renovável) e ambientalmente mais correta. Na matriz energética brasileira, a biomassa já representa 29%, enquanto na mundial é apenas 11%. A nossa área agricultada é hoje de 62 milhões de hectares; perto de 6 milhões são cultivados com cana-de-açúcar, dos quais 50% vão para a produção de etanol e os outros 50% para açúcar. Com isso, produzimos mais de 16 bilhões de litros de etanol, dos quais consumimos 14 bilhões e exportamos o resto. Temos potencial de mais 22 milhões de hectares aptos para a cana-de-açúcar, o que supera de longe qualquer país ou até continente no planeta inteiro. Como temos mais 90 milhões de hectares cultiváveis (dos atuais 200 milhões de hectares de pastagens, portanto sem entrar em ecossistemas como a Amazônia), o aumento da área da cana não irá prejudicar a produção de alimentos ou fibras. Prova disso é que, nos últimos 15 anos, a área plantada com grãos cresceu 23%, enquanto a produção aumentou mais de 110%. Também as carnes cresceram na mesma proporção. Há, portanto, espaço para aumentar a produção de etanol - e o Brasil é de longe o país com os menores custos de produção - sem que isto interfira no crescimento, em iguais condições, da oferta alimentar. Aliás, é possível dobrar, em 10 anos, a produção de álcool por hectare, com novas tecnologias já em avaliação e estudo. O carro flex fuel, marca registrada brasileira e que começa a ser copiado lá fora, vai exigir, nos próximos 10 anos, um aumento de 12 bilhões de litros, só para o consumo interno. Para isso, já estão em construção 43 novas destilarias no país, e uma centena de outras estão sendo projetadas. Isto sem falar nas outras matériasprimas derivadas da biomassa, como a celulose, avançando muito nos EUA ao lado do etanol de milho. Que falar do biodiesel? É outro tema em que não nos faltam matérias-primas: mamona, dendê, pinhão manso, algodão, girassol, amendoim, sebo bovino, resíduos agrícolas em geral, enfim, não há limite para nossas condições de produção, que incorporam todo tipo de agricultor, do familiar ao grande empresário integrado e verticalizado, além das cooperativas. Internamente, esta importante evolução representa mais de um milhão de novos empregos diretos e indiretos, num modelo de desenvolvimento que se adequa às regiões mais pobres do País. Vamos exportar os biocombustíveis, bem como equipamentos e a tecnologia que dominamos. Isto quer dizer mais renda e mais emprego para o país. Mas, dentro da grande ambição, o que realmente faz diferença, é a chance de liderarmos a criação de uma nova civilização. Para isso, algumas coisas são fundamentais, a saber: . Coordenação: há pelo menos sete ministérios interessados no assunto, além de uma dezena de instituições governamentais. É fundamental um grande entendimento público, para que a estratégia seja unificada. . Ação privada: precisamos transformar o etanol e o biodiesel em commodities. Para tanto, é mister estimular a produção em outros países, estabelecer padrões e parâmetros internacionais (antes que outros o façam) e, sobretudo, "vender a idéia" para potenciais grandes consumidores, como países asiáticos. Tecnologia: embora detenhamos hoje a melhor tecnologia mundial no assunto, este é um processo dinâmico e, se não investirmos vigorosamente, outros países nos tirarão o comando dos processos. Investimentos em desenvolvimento e pesquisas precisam ser feitos também pelo setor privado, já que o estado não tem recursos suficientes. . Seriedade: há muita liquidez internacional e muita gente quer investir no setor, no Brasil. Precisamos tratar estes recursos com muita seriedade, para não pormos a perder uma chance única que a história nos oferece, de mudar o mundo.