sábado, outubro 28, 2006

O Brasil patina num mundo que cresce rápido

Melhor, mas pior que os demais

O Brasil progrediu muito nos últimos anos, mas seus concorrentes avançaram ainda mais


Giuliano Guandalini

Jung Yeonje/AFP
Centro de pesquisa na Coréia do Sul: 33% das exportações carregam alta tecnologia


NESTA REPORTAGEM
Quadro: O mundo ruge
Quadro: Exportando investimento

Foram muitos os avanços da economia brasileira nos últimos anos. As exportações dobraram, as reservas internacionais nunca foram tão altas, a dívida externa deixou de ser motivo para dor de cabeça e a inflação recuou a níveis civilizados. Esses avanços afastaram o risco de colapso financeiro criado pelo debate eleitoral de 2002 e hoje permitem ao presidente Lula dizer, com razão, que o país apresenta uma combinação rara de fatores econômicos positivos. O país está melhor. Mas só se o compararmos a ele mesmo – espartilho característico do debate econômico brasileiro. No cotejo internacional, o Brasil está ficando para trás. Nos últimos quatro anos, os países em desenvolvimento progrediram em um ritmo superior a 7% ao ano, enquanto, no Brasil, o PIB não avançou mais do que 3%. O país caminha ainda mais lentamente em questões essenciais a seu desenvolvimento: produtividade, competição e conhecimento. O Brasil perdeu posições nos rankings de competitividade e liberdade econômica (veja quadro), o que se traduz em perspectivas piores para o investimento e o crescimento. A economia brasileira permanece uma das mais fechadas do planeta: sua participação no comércio internacional segue ínfima, em torno de 1% das transações.

Como recuperar posições na corrida global do desenvolvimento? Existe um consenso há muito estabelecido sobre o que precisa ser feito – menos impostos, menos gastos do governo com o conseqüente corte acentuado de juros e atração de investimentos. Essa agenda de formulação simples sempre encontra grossa artilharia política pela frente. Enquanto se marcha para as reformas do Estado, quatro iniciativas emergenciais amenizariam a situação:

• abrir mais a economia e buscar novos acordos comerciais, principalmente com os países ricos e desenvolvidos;

• diminuir a burocracia e oferecer regras claras aos investidores;

• investir em educação de qualidade – e não apenas em quantidade;

• reduzir os gastos de custeio da burocracia.

Para aumentar a fatia no bolo internacional, o país precisará buscar novos tratados comerciais e ampliar ainda mais o valor agregado de seus produtos. Há dez anos, apenas 5% das vendas brasileiras ao exterior eram de produtos de alta tecnologia, e hoje esse índice é de 17%. No entanto, concorrentes diretos do Brasil vendem produtos com muito mais valor agregado. Nas exportações chinesas, 30% são mercadorias de alto conteúdo tecnológico; nas da Coréia do Sul, 33%; e nas de Cingapura, 59%. As exportações brasileiras ainda são dominadas por itens básicos, como minério de ferro e soja em grão. Para mudar isso, é imprescindível um sistema educacional baseado na aferição de resultados e na recompensa ao mérito. Só isso produz e atrai tecnologias e investimentos. Não é o que tem ocorrido. Os investimentos no setor produtivo, que crescem a todo vapor no resto do mundo, despencaram no Brasil. Em 2000, as empresas estrangeiras despejaram 33 bilhões de dólares no país, na aquisição de empresas ou na ampliação de suas subsidiárias. Foram esses recursos que modernizaram a telefonia e popularizaram a internet. Em 2006, no entanto, as estimativas indicam que os investimentos ficarão em torno de 15,5 bilhões de dólares, um quarto do total recebido pela China.

Divulgação
Executivos da filial americana da Gerdau, na Bolsa de Nova York: rumo a novos mercados

Além de receber menos capital produtivo, o país passou a ser grande exportador de investimentos, uma situação inédita. Em 2006, pela primeira vez, o total investido lá fora pelas empresas brasileiras deverá ser superior ao montante recebido do exterior. Por que as companhias brasileiras acham melhor se expandir no mercado externo e não aqui dentro? A resposta tem diversos componentes. Com o avanço externo, as empresas brasileiras ganham acesso a novos mercados, tornam-se mais competitivas e obtêm receitas em moeda forte, com as quais podem crescer realizando aquisições. Em outras palavras, elas buscam um ambiente de negócios menos adverso que o brasileiro. Diz Álvaro Cyrino, especialista em internacionalização, da Fundação Dom Cabral: "As empresas precisam de escala e acesso a mercados. Se não se lançarem ao exterior, correm o risco de perder espaço e ser compradas por concorrentes" (veja reportagem sobre a Vale do Rio Doce na pág. 88).

Não foi só em busca de escala que as companhias brasileiras se aventuraram no exterior. Elas deixaram o país também para reduzir sua exposição à carga tributária monstruosa, ao baixo crescimento e ao fechamento comercial. Foi o caso da têxtil Coteminas, do vice-presidente José Alencar, que se uniu à americana Springs e estuda abrir fábrica na China. Ou da Gerdau, que já adquiriu diversas siderúrgicas nos Estados Unidos, no Canadá e na América do Sul. Tudo isso seria salutar se o país continuasse recebendo um volume adequado de investimentos estrangeiros. Mas não é o que ocorre. Por esse motivo, torna-se imperioso que o Brasil aprimore o ambiente de negócios, corte a burocracia e reduza os impostos. Nesse quesito, o país tem piorado muito não só com relação ao mundo, mas também a si próprio. Exemplos dessa deterioração são o enfraquecimento e o aparelhamento político das agências reguladoras verificados nos últimos quatro anos.

A história de sucesso dos asiáticos apresenta outra característica negligenciada no Brasil: o investimento em educação. Sem trabalhadores qualificados, ficam limitadas as perspectivas de desenvolvimento. Apesar da melhora no acesso, a qualidade do ensino brasileiro permanece precária. O país investe bem menos que os asiáticos na educação básica, algo que precisa mudar com urgência. Diz o economista Ilan Goldfajn, da PUC-Rio: "Os juros estão em queda, e o Brasil deverá começar a crescer mais rápido nos próximos anos. Quando isso ocorrer, não poderá faltar mão-de-obra qualificada". Por fim, o país não poderá se esquivar da tarefa de fechar as torneiras da gastança pública, sem o que será impossível reduzir os impostos. Para o economista Paulo Leme, do banco americano Goldman Sachs, o problema é que os políticos brasileiros, especialmente os petistas, insistem em defender um Estado "grande", não necessariamente "forte". Conclui Leme: "Eles querem distribuir uma riqueza que ainda nem foi gerada". Ou, como expôs a revista inglesa Economist em sua última edição: "Será difícil curar a síndrome de Estocolmo no Brasil, um Estado que mantém a economia como sua refém".

Com reportagem de Cíntia Borsato