www.oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br Esta foi uma campanha eleitoral triste, em que os escândalos ocuparam a maior parte da discussão, em que os eleitores se dividiram entre o desalento e o pragmatismo sem sonho. Temas decisivos para o futuro do país foram abandonados; alguns totalmente esquecidos. A foto do dinheiro sem origem, sem registro é o retrato dos tempos. Não desanime; o que está acontecendo hoje é mais uma etapa de uma história de sucesso: o voto no Brasil.
O Brasil vota há 182 anos e, nestes quase dois séculos, apesar de todos os contratempos, o direito de participar desta gigantesca ágora, complexa e cada vez mais diversa, veio se ampliando de forma constante, agregando mais brasileiros, aperfeiçoando o sistema de votação, combatendo fraudes. Hoje, quando a maioria dos 126 milhões de eleitores registrados começar a sair de suas casas para votar, estará sendo vivida a parte mais importante de uma extraordinária operação logística e tecnológica para levar o direito do voto aos mais remotos cantos, espalhar e recolher urnas por um país continental, e apurar tudo de forma segura e rápida.
— O Brasil é a terceira maior democracia de massas do planeta em número de eleitores, só superado por Estados Unidos e Índia.
Mas, na Índia, demora-se, às vezes, seis dias ou mais para contar os votos. É um país populoso com um sistema eleitoral antigo. Aqui, montou-se um sistema de extraordinária rapidez e segurança — diz o cientista político Jairo Nicolau.
Jairo lembra que a República editou uma medida, logo no seu início, proibindo o voto do analfabeto que, naquela altura, era a vastíssima maioria da população.
Prisioneiros do analfabetismo e desprovidos de direitos, eles ficaram assim por quase um século, até 1985. Nas primeiras décadas do século XX, as mulheres não votavam, nem pessoas sem registro, quem morava em área inacessível, naquele Brasil rural, também não.
— No começo da República, votavam de 1% a 2% dos brasileiros, ao final da República Velha, uns 10%.
Na eleição de Juscelino, 15% — conta Jairo Nicolau.
Atualmente, o percentual de brasileiros aptos a votar chega a 70%. E esse contínuo processo de ampliação da ágora pode ter novos passos com medidas simples e operacionais, como a de permitir o voto dos que estão fora do domicílio eleitoral. O eleitor brasileiro que estiver hoje em Nova York poderá votar; o paulista que estiver no Rio, não. Nisso se perdem uns dez milhões de votos, pelo m e n o s .
O que fica mais forte na memória são os processos de interrupção do direito de voto, pela violência do arbítrio; mas a democracia brasileira tem também uma história de continuidade.
No período colonial, os moradores das vilas votavam nos representantes municipais, porém a primeira eleição brasileira mesmo foi em 1824 para escolher os constituintes. De lá para cá, o Brasil só não escolheu seus deputados no Estado Novo, de 1937 a 1945. O país já votou em 52 legislaturas.
Agora está escolhendo a 53a Eu sei, eu sei: a última legislatura nos cobriu de vergonha, produzindo um número impressionante de investigados.
Estou entre os que acham que é melhor saber do que não saber, que investigar é o inevitável passo para punir os responsáveis e ir depurando a qualidade da rep re s e n t a ç ã o .
O Brasil não é o único país a ter escândalo de corrupção, mas é o país que menos pune. Semana passada, um dos ex-diretores da Enron, responsável pela fraude contábil, foi condenado a seis anos de prisão e declarou: “Eu mereço isso.” Fiquei com uma ponta de inveja.
Aqui nem vão presos, nunca são condenados e sempre dizem que não têm culpa e que estão sendo perseguidos por inimigos.
Salvadores-da-pátria não existem, não existe um candidato que sozinho traga a solução para essa chaga.
Claro que há candidatos que já se tornaram parte do problema e não querem combatê-lo. Mas a forma correta de enfrentar a questão não é acreditar num salvador, e, sim, desenvolver mecanismos, que já começaram a funcionar em outros países, para aumentar a transparência das contas públicas e o controle dos políticos. Nisso também esta campanha foi insuficiente. Houve algumas boas idéias, mas a maior parte do debate sobre o assunto foi apenas o bombardeio verbal.
A história do voto no Brasil tem também uma coleção de fatos sombrios, de manipulação da vontade do eleitor, dos currais eleitorais, do jogo de fazdeconta, dos votos de bico de pena. Há quem afirme que hoje está havendo uma eleição que opôs Nordeste ao Sudeste, os pobres aos ricos, e que os pobres estão, de novo, sujeitos à distribuição de benesses distribuídas para comprar-lhes a fidelidade.
Mas é extraordinária a diferença entre os votos nas vilas dos confins e o eleitor de hoje independentemente da renda ou escolaridade.
Manipuladores sempre aparecerão, e os vimos, de novo, nesta eleição, mas é preciso fortalecer, cada vez mais, a capacidade de cada cidadão escolher com sabedoria o seu representante. O caminho para corrigir quaisquer distorções só pode ser democrático.
Ao cidadão e à cidadã não deve importar se seu candidato tem chance ou não, se vai ser eleito, reeleito ou se já está fora do páreo.
Deve-se votar pelo voto, pela rotina que, quanto mais pontual e repetida for, melhor.
Vota-se sonhando com o aperfeiçoamento do processo eleitoral que virá mais rápido quanto mais intensa for a participação de cada um no período póseleitoral.
Vota-se pelo direito conquistado depois de tantas lutas ao longo de toda a nossa História.