terça-feira, outubro 31, 2006

Luiz Garcia - Os indecisos e o esquecido



O Globo
31/10/2006

Claramente, o último debate em nada alterou as decisões de voto do eleitorado. Nem seria de se esperar: dois dias antes da votação, quantos eleitores ainda estariam verdadeiramente indecisos? Talvez só uma meia dúzia, que levaria sua incerteza para a seção eleitoral, para democraticamente determinar o voto num solitário par-ou-ímpar.

O último duelo verbal entre Lula e Alckmin teve toda a sofisticação de que a televisão é capaz. Num cenário mais rudimentar, cada candidato poderia simplesmente apontar para qualquer cidadão na bancada dos indecisos e pedir-lhe que perguntasse o que quisesse. Àquela altura, que diferença faria?

O aparato eletrônico tem sua importância: é uma forma de assegurar a isenção dos organizadores do encontro. Mas, ora bolas, quando foi que esta esteve em questão? No caso da Globo ou de qualquer outra emissora? Enfim, o show ajudou a prender a atenção dos espectadores, objetivo que seria imprudente deixar a cargo da retórica e dos argumentos dos debatedores.

Não era mesmo de se esperar que o último capítulo da campanha fosse de alguma forma diferente dos anteriores. A maré de escândalos, que marcou o mandato de Lula em ondas sucessivas, em momento algum dos últimos meses mostrou ser trunfo eleitoral eficaz para a oposição - que tentou o quanto pôde, mas sem êxito, surfar em cada uma das ondas sucessivas.

A insistência do PT nos êxitos da política social acabou sendo trunfo decisivo, talvez menos pelos números do que pelo peso da imagem do presidente, o homem pobre que se tornou pai dos pobres.

Décadas atrás, Getúlio Vargas construiu e usou essa armadura com considerável eficiência: conseguiu tornar eleitoralmente sem importância, na eleição de 1950, os negros anos da ditadura do Estado Novo.

Lula, com origem autenticamente humilde, teve êxito semelhante, fazendo esquecer a quantidade de escândalos político-financeiros dos últimos quatro anos. Talvez nos faça falta um estudo sério sobre a memória seletiva do eleitor brasileiro - com sugestões sobre o que se poderia fazer a respeito.

Um capítulo fascinante seria a investigação da montagem pelo governo petista de sua imagem de construtor da estabilidade econômica. Com pelo menos uma nota de pé de página sobre a ajuda que Lula recebeu da oposição - que nunca fez força para lembrar ao eleitor que não haveria prosperidade alguma sem o Plano Real.

Lembram-se dele? Foi filho legítimo do governo do PSDB, sem qualquer colaboração do PT. Alckmin e seus estrategistas deixaram essa arma de lado durante toda a campanha: em matéria de economia, acabaram achando mais importante jogar na defesa, mandando para córner idiotices como a privatização da Petrobras.

Era certamente necessário para a oposição usar munição pesada para mostrar erros e escândalos do governo. Mas isso não a dispensa de lembrar tudo que fez pela economia do país quando esteve no poder.

Era demais esperar que Alckmin tentasse algo nesse campo no último capítulo de sua modesta cruzada. Mas sejamos justos: ele realmente mencionou o Plano Real no debate de sexta-feira. Foi uma vez só, de raspão, quando faltavam exatamente três minutos para a meia-noite e metade da audiência ressonava diante da telinha.

Um craque no timing, aquilo que os antigos chamavam de senso de oportunidade.