sábado, outubro 28, 2006

DORA KRAMER Do brilho à sombra

Do brilho à sombra

dora.kramer@grupoestado.com.br

Terminada a eleição, a CPI dos Sanguessugas retoma seus trabalhos já na terça-feira, agora enveredando pelo pantanoso terreno da investigação do dossiê Vedoin e com uma boa chance de, senão anular, pelo menos embaçar o brilho da fase inicial dos 52 dias de trabalho em que destrinchou as relações de 70 parlamentares com a máfia das ambulâncias.

O grande mérito político da CPI foi, mais que os processos por quebra de decoro, exibir ao eleitorado uma espécie de quem é quem no Congresso. Efeito direto ou não, a maioria dos sanguessugas ficou sem mandato, ao contrário dos mensaleiros, quase todos reeleitos.

Por artimanha do destino, as figuras-chave da CPI, o presidente Antônio Carlos Biscaia, e o relator, Amir Lando, não se elegeram. Mas este é talvez um dado não muito relevante para os próximos acontecimentos na CPI, já bem modificada depois do primeiro turno das eleições.

A entrada do dossiê em cena dividiu a comissão. O presidente Biscaia abriu guerra interna ao acusar colegas de estarem fazendo o papel de assessores de Geraldo Alckmin, apontou para o risco de a CPI terminar sem relatório final e suspendeu os trabalhos na semana anterior à eleição.

Alegou, como fez o ministro da Justiça ao justificar a não exibição do dinheiro da compra do dossiê - contrariando regra interna da Policia Federal -, que pretendida evitar 'aproveitamento eleitoral'.

Se a oposição de fato fez carga para que se acelerassem as investigações e começassem a ser tomados depoimentos, Biscaia não deixou de jogar na defesa do governo, pois contrariou a orientação adotada na primeira etapa: a de trabalhar rápido, a tempo de o eleitorado conhecer os acusados e, com isso, balizar a sua escolha. Na ocasião, a posição foi política, como de resto compete a um colegiado político.

Agora, na retomada dos trabalhos, o clima já não é mais aquele de unidade e urgência na divulgação de todos os dados. Tanto que o vice-presidente da CPI, deputado Raul Jungmann, pensa em representar na Justiça contra o delegado presidente do inquérito, Diógenes Curado, por obstrução de informações.

Enquanto na primeira etapa todos os integrantes da CPI, à exceção do relator, trabalharam junto à Justiça no sentido de dar a maior publicidade possível ao processo, agora a comissão teve dificuldades para obter o material de investigação da PF.

O relatório parcial, por exemplo, foi entregue à CPI uma semana depois de requisitado, quando todos os meios de comunicação já haviam tido acesso ao documento e, ainda assim, sem as informações mais importantes, as quebras de sigilo e as transcrições de conversas telefônicas e depoimentos. Esse material só chegou à CPI anteontem.

Na segunda-feira começará a ser analisado. Mas na segunda-feira a correlação de forças políticas já será totalmente diferente daquela que possibilitou o sucesso da primeira etapa.

Lá, o Congresso estava esvaziado por causa da campanha eleitoral e do recesso de julho e os alvos eram predominantemente parlamentares do baixo clero. Além disso, o governo não se mexeu porque para Lula não era ruim que o espetáculo do escândalo estivesse em cartaz no Legislativo.

Agora é diferente: o Executivo está na berlinda. Lula reeleito, o governo recupera forças e terá todo o interesse em pôr sua tropa a trabalhar em defesa de seus interesses.

Não se deve menosprezar tampouco o papel colaboracionista da oposição, principalmente do PSDB, pois, segundo um integrante da CPI, o empresário Abel Pereira está envolvido até a medula e o ex-ministro Barjas Negri tem muito a explicar. Um roteiro já conhecido, cujo final é uma soma que resulta em zero.



Homem trabalhando

A justificativa do presidente Lula para não assinar o documento proposto pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, comprometendo-se a não patrocinar a convocação de uma Assembléia Constituinte em seu segundo mandato, ultrapassa o limite da justificativa dada por Marco Aurélio Garcia, segundo a qual 'o presidente não pode assumir posição no que se refere a procedimentos que devem presidir a implementação de transformações institucionais que venham a ser acordadas por um setor majoritário e expressivo da sociedade'.

A academia não sugeriu que o presidente tomasse posição contra ou a favor de uma proposta que 'venha a ser acordada' pela sociedade, mas que não patrocinasse a convocação. O compromisso seria de não tomar a iniciativa do patrocínio.

Ao se recusar a fazê-lo, Lula deixa a questão em aberto e autoriza a suposição de que, se a certa altura do mandato ficar sem maioria parlamentar, sustentação política e se considerar acuado pela oposição, possa mesmo patrocinar a convocação de uma constituinte para votar a reforma política e também para implementar alterações que, ao seu juízo, lhe dêem condições de governar.

O slogan 'deixem o homem trabalhar', já usado na campanha, resume a idéia-força perfeita para, requentada, convencer a 'sociedade'.