Dora Kramer - As pesquisas, de aliadas a inimigas |
O Estado de S. Paulo |
2/10/2006 |
Ontem já fomos dormir sabendo se haveria ou não segundo turno na eleição presidencial. Mas, sendo impossível e arriscadíssimo um palpite sobre as razões desse desfecho, falemos de outro assunto. As pesquisas e suas surpresas já permitem alguma análise entre as várias a serem feitas sobre essa eleição. Foram vários os sustos provocados pelas urnas e, como sempre acontece, a responsabilidade imediatamente atribuída aos institutos de pesquisa, às vezes com acusações bem pesadas a respeito da lisura (ou falta de) das relações entre esses institutos e candidatos com poder de influência junto a eles. A despeito de ocorrerem mesmo algumas distorções de ordem ética - como a contratação dos mesmos que medem as intenções de voto como prestadores de serviços a partidos e políticos -, a deformação maior é o uso que se faz das pesquisas na cobertura jornalística da eleição. Elas se tornaram uma verdadeira obsessão e são tratadas pelos veículos de comunicação como bíblias, bulas papais, documentos divinos que encerram a verdade absoluta e imutável. Durante todo o período pré-eleitoral, e até mesmo antes dele - no governo Lula a medição vem sendo feita desde o primeiro ano de mandato -, as pesquisas ocupam o lugar de maior destaque no noticiário político. Quando elas falam, tudo o mais em volta se cala em reverência. Não há reportagem, não há observação de fatos, não há análise ou interpretação de procedimentos que consiga ser mais forte que os números das pesquisas. Não há quem consiga abrir um pequeno espaço de argumentação para lembrar - e ser ouvido - que eleitores são pessoas, votos são expressão de vontades e, quando em cena estão seres humanos e seus respectivos sentimentos, convém prestar atenção às circunstâncias e à hipótese de uma amostragem não refletir exatamente a realidade. Convencionou-se mesmo que é da etiqueta política a submissão a esses números. Quem briga com eles é perdedor, reza o dogma. Pois muito bem, essas pesquisas são amigas e acreditadas, quando saem os primeiros resultados eleitorais são contestadas com a mesma veemência com que eram até o dia anterior perfeita e absolutamente aceitas. Seus acertos são esquecidos. São contabilizados apenas os erros e ignorada uma hipótese forte: talvez o problema não esteja nas pesquisas, mas no excessivo crédito que se dá a elas. Se fossem apresentadas ao eleitor com suas nuances e relativismos, possivelmente não precisaríamos brigar com elas depois, inclusive porque é uma luta inútil: logo fazemos as pazes e na eleição seguinte tudo se repete, ninguém se lembra mais dos "erros" cometidos na anterior e, de novo, por preguiça de pensar e falta de coragem de remar no sentido contrário ao da maré geral, as pesquisas assumem o lugar da informação. Os questionários de amostragem não pegaram as "viradas" na Bahia e Rio Grande do Sul, para citar apenas duas, mas a movimentação jornalística arguta e liberta da obediência cega aos números certamente teria detectado que as coisas não eram bem como diziam as estatísticas. |