Editorial |
O Estado de S. Paulo |
31/10/2006 |
Deixando-se de lado a habilidade extraordinária que tem o presidente Lula de mostrar como realidade o que ainda não passa de intencionalidade e ficando também para trás a guerra eleitoral em que (como em todas as guerras) a verdade é a primeira sacrificada, não há como deixar de reconhecer que em seus primeiros pronunciamentos, após sua retumbante vitória eleitoral, o presidente Lula disse algumas coisas positivas e consistentes. Não há objeção alguma a fazer ao seu rol de louváveis intenções, muito menos a seu volumoso pacote de projetos - em várias áreas e regiões do País - destinados a dinamizar nosso desenvolvimento econômico. Todos hão de concordar com o que disse o presidente, quanto ao fato de estarmos cansados de ser país “emergente” e pretendermos entrar o mais rápido possível na categoria dos “desenvolvidos”. Resta esperar que a experiência do primeiro mandato dê ao presidente Lula, no segundo, condições melhores de transformar intenções consignadas no papel em realizações concretas - e que doravante não precise mais comemorar aquelas como se já fossem estas. Certamente para isso lhe valeu a experiência do aprendizado quanto aos entraves burocráticos que têm que enfrentar os governantes. Bem o ilustrou com a promessa, feita ao governante de um país africano, de lhe enviar um avião para combater praga de gafanhotos - mas, dependendo de lei e outras exigências, o avião só chegou lá depois que os gafanhotos já haviam dizimado as plantações do tal país... Então, a primeira promessa do presidente reeleito é a de que “as decisões que saiam de sua mesa” sejam, de fato, concretizadas, em tempo razoável. É verdade que não foi uma boa idéia tentar mostrar o “novo” relacionamento do presidente com a imprensa misturando o discurso da vitória - em ambiente de euforia partidária - com uma espécie de “minicoletiva”, o que frustrou pela excessiva limitação do número de perguntas e certa confusão pela “repressão” da platéia a quem perguntava sem a autorização do meio atrapalhado porta-voz. De qualquer forma, valeu muito a promessa de coletivas de verdade - a primeira programada para quinta-feira. Debite-se ao improviso e à emoção do momento as palavras de auto-elogio a seu governo em diapasão meio delirante, tais como as relativas a seus portentosos “êxitos internacionais”, assim como o disparate de quem pretende estender a esfera do Mercosul “da Terra do Fogo à Patagônia”(?!?) De qualquer forma, se o presidente Lula adquiriu maior capacidade de transformar a mera “vontade política” - que tanto gostava de mencionar antes de chegar ao Poder - em atos concretos de governo e, por que não dizê-lo, de líder maior (ou único) de seu próprio partido, houve pelo menos dois tópicos, em seu discurso após a vitória eleitoral, que mereceriam sua atenção prioritária. O primeiro diz respeito à tão decantada reforma política, que o presidente anunciou como uma de suas primeiras iniciativas no novo mandato. Sem dúvida, com a votação expressiva conquistada e o apoio vasto que obteve junto às forças políticas das diversas regiões do País, o início de seu segundo mandato seria o momento mais que oportuno de o presidente da República comandar aperfeiçoamentos essenciais da legislação político-eleitoral, quanto à fidelidade partidária, ao fortalecimento dos partidos, à lisura tanto no financiamento eleitoral quanto na formação das bases de apoio ao governo no Congresso - e tudo aquilo, enfim, que significasse a instituição de mecanismos asseguradores da melhor representatividade. O segundo ponto que nos pareceu crucial no discurso do presidente é o que indica uma cobrança pessoal sua em relação ao comportamento do partido do qual é fundador e sempre foi o principal líder: “O PT não pode errar ética e politicamente.” Nesta frase, com certeza, está contido o diagnóstico da maior crise que Lula enfrentou em toda sua trajetória pública e, ao mesmo tempo, o saudável prognóstico de que tais “erros” não venham a se repetir. Que não sejam exagerado otimismo - nem para o presidente reeleito nem para o imenso eleitorado que lhe concedeu um segundo mandato - essas expectativas. Afinal de contas, o que uma democracia não pode fazer, sob pena de contradizer seus próprios fundamentos, é transformar uma vitória eleitoral - mesmo consagradora - numa anistia. |