quarta-feira, outubro 25, 2006

Consagração da privatização


Editorial
O Estado de S. Paulo
25/10/2006

A maior operação de compra de empresa estrangeira já feita por uma companhia brasileira não teria acontecido, nem a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) teria se tornado a segunda maior mineradora do mundo, se dependesse de Luiz Inácio Lula da Silva, que, em recente entrevista, afirmou que não teria privatizado a Vale. Se tivesse continuado a ser gerenciada por homens escolhidos pelo governo de plantão, e não por empresários privados responsáveis perante os controladores da companhia, a Vale não teria alcançado as condições que lhe permitiram concluir a operação de compra da mineradora canadense Inco, a segunda maior produtora de níquel do mundo.

O presidente-candidato continua preso a idéias do passado, como a de que, por seu papel "estratégico", a CVRD precisava ser mantida como estatal. O que a experiência da privatização da Vale e de outras empresas cujo controle foi transferido para o setor privado mostra é que, mesmo aquelas que apresentavam um certo grau de eficiência quando estatais, passaram a produzir resultados muito melhores quando geridas por particulares.

Era notória a má qualidade da gestão da grande maioria das estatais, como demonstra a situação catastrófica da Siderbrás no momento da privatização das siderúrgicas brasileiras. Mas não era apenas a incompetência administrativa, decorrente do preenchimento por critérios políticos dos cargos de direção dessas empresas, que as tornavam deficitárias ou muito pouco rentáveis. Empresas estatais têm sua administração regida por regulamentos cujo objetivo é, antes de mais nada, estabelecer controles burocráticos para o uso do dinheiro público. De um lado, isso exige a montagem de um sistema de controle da gestão, com um custo para os contribuintes; de outro, cerceia a liberdade de ação gerencial. Há regras rigorosas para a contratação ou demissão de pessoal e para compras e investimentos.

Mesmo que a Vale tivesse crescido como estatal o que cresceu depois de privatizada, o que é quase inimaginável, é impossível imaginar a aquisição da Inco se a Vale ainda fosse uma estatal. A operação, como mostrou o Estado, começou a ser preparada há três meses em reuniões sigilosas, pois, se a informação vazasse, o negócio poderia se tornar inviável, visto que outras empresas mineradoras também estavam interessadas no negócio.

Os dirigentes da Vale agiram de acordo com o interesse da empresa e de seus acionistas, sem as amarras que a legislação teria imposto aos dirigentes de uma estatal. Por isso, com o apoio de um grupo de bancos, puderam fazer uma proposta de compra com pagamento em dinheiro, que acabou sendo decisiva na disputa pela mineradora canadense.

Para os que, à época da privatização da empresa, há quase dez anos, se preocupavam com o caráter "estratégico" da Vale, a compra da Inco deve ter um significado especial. A operação consolida a estratégia da empresa de atuar com maior intensidade no exterior e permite a diversificação de sua produção, ainda fortemente associada ao minério de ferro. O níquel, de que a Inco é grande produtora, está com sua cotação muito alta, o que deve resultar em mais ganhos expressivos para a Vale.

Além disso, segundo especialistas, a Inco utiliza uma tecnologia avançada de extração, o que pode resultar em ganhos de eficiência em projetos nos quais a Vale entrou há pouco tempo, como os de lavra de níquel nos Estados do Pará, Goiás e Piauí.

Pelo controle da mineradora canadense, a Vale ofereceu cerca de US$ 18 bilhões, na maior compra já realizada por uma empresa latino-americana. Com a incorporação da Inco, a Vale se torna a segunda maior mineradora do mundo, superada apenas pela BHP Billiton.

O valor em bolsa da Vale deve passar de US$ 59,8 bilhões para US$ 77 bilhões. Suas vendas anuais passarão de US$ 13,4 bilhões para US$ 18 bilhões. O lucro líquido combinado da Vale e da Inco alcançou US$ 5,6 bilhões em 2005.

São números impressionantes, sobretudo para uma empresa brasileira. Mas eles não seriam alcançados se a Vale continuasse uma empresa estatal, condição que a condenaria a manter-se nos limites em que atuava até 1997. Ainda bem para a Vale, para seus acionistas, entre os quais um grande número de brasileiros, e para o País que Lula não era presidente em 1997.