segunda-feira, outubro 02, 2006

A coletiva de Lula: o ator convincente

Lula demonstrou qual vai ser o figurino que ele pretende usar na disputa do segundo turno. Concedeu uma entrevista coletiva que foi, do ponto de vista de sua campanha, impecável. Talvez tenha a sido a melhor desde que tomou posse. Não houve uma só metáfora chula, aquelas a que está habituado. Lembram-se da “onça vai beber água?” Lembram-se da afirmação de que “esta oncinha está com sede”? Nada disso. Ao contrário, estava lhano, suave, tranqüilo.

Debates
Hoje -
É claro que ele vai. O debate é a oportunidade para expor idéias, para falar do futuro do Brasil.
Antes – Não vai se submeter ao baixo nível dos seus adversários.

Arrependeu-se de não ter ido ao debate da Globo?
Hoje – Não tem bola de cristal para saber o efeito de ir e não ir. Não sabe se foi prejudicado.
Antes – Todo mundo viu por que ele não foi; todo mundo viu as agressões.

O dossiê fajuto o prejudicou? A cobertura da imprensa o prejudicou?
Hoje – O fato aconteceu. O dinheiro está lá. Que seja mostrado. Ele nunca tentou impedir coisa nenhuma.
Antes – Endossou avaliação de Tarso Genro, Marco Aurélio Garcia e Dilma Rousseff. Tratava-se de um golpe contra a sua candidatura e de uma conspiração. Deu todo apoio a Márcio Thomaz Bastos, para quem a divulgação das imagens obedecia apenas a um critério político-eleitoral.

Vai ser o candidato dos pobres contra o candidato dos ricos?
Hoje –
esse tipo de divisão não funciona no Brasil. Ele próprio e José Alencar eram pobres e agora são, respectivamente, presidente e vice da República. Mais um pouco, e Lula diz que o bom do capitalismo é a mobilidade social. É o presidente de todos os brasileiros. Todos ganham em seu governo.
Antes – Sempre que a elite percebe que um governante quer fazer algo para o povo, ela decide apeá-lo do poder.

Relação com o Congresso e CPIs
Hoje – Nunca teve problemas com o Congresso, que aprovou 90% de tudo o que foi necessário. É assim em qualquer parte do mundo.
Antes – É bom não despertar nele o demônio, porque a vontade é fechar o Congresso Nacional.

O PT é culpado pela confusão do dossiê?
Antes e hoje – Não se pode acusar toda uma família pelos desvios de alguns.

Qual Lula é verdadeiro? O de antes ou o de hoje? A pergunta não se coloca. O Lula e o PT reais são aqueles do presente eterno, que vão existindo segundo a necessidade da hora. O Apedeuta subiu no “apedeustal” e, lá de cima, resolveu mirar o processo político, tratando com arrogância desmedida o adversário e a imprensa. No palanque de São Bernardo, decidiu fazer pouco caso do debate da Globo: preferia estar com o seu povo, como a dizer: “Não preciso deles”.

Agora, ele precisa. O Lula de hoje não é exatamente O “paz e amor”. É algo um pouco mais refinado, mais trabalhado, mais, como direi?, treinado nas artes cênicas. Na maioria das vezes, hoje, foi um ator stanislavskiano (pesquisar Stanislavski, leitor), fazendo um esforço danado, e sendo convincente, para parecer que acreditava no que dizia. Em Dois Córregos, a gente diz assim: “Quem não te conhece que te compre”.

O Lula do distanciamento brechtiano (pesquisar técnica de representação de Brecht, leitor), do cinismo calculado, metalingüístico, estava presente, mas para temperar a entrevista, condimentando-a. No começo, falou sobre as regras rígidas da campanha, que fizeram com que, em certos lugares, parecesse nem haver disputa. “No Nordeste parecia, viu, Geraldo?” Mostrava, assim, que ele é dono de uma região, mas não seu adversário.

Também se viu o Lula oblíquo ao falar do dossiê. Ele continua, vejam vocês, interessadíssimo em saber quem montou essa tramóia toda e por quê. Todas as pessoas que armaram a baixaria são do seu entorno, aliadas inquestionáveis ou de sua absoluta confiança. Mas ele ainda está tão perplexo como nós estamos. E diz: “Quem negocia com bandido é bandido”. É?

Contra as evidências dos fatos, disse que nunca tentou interferir nas CPIs. E afirmou que quem não gostava delas era o governo passado (FHC) e o de São Paulo, Alckmin. Mas vá lá: afinal, não lhe cabe ficar falando bem da oposição. Foi o máximo de provocação. No geral, estava ali o Lula estadista, que acha o segundo turno uma maravilha — uma proposta, lembrou ele, do PT.

Sim, leitores, vai ser uma parada dura. Por Reinaldo Azevedo