terça-feira, outubro 31, 2006

Blitzkrieg


Ao longo de quatro anos, cansei de ouvir que minhas críticas ao PT eram um tanto exageradas. Afinal, o partido havia aderido à economia de mercado etc e tal. Bem, vocês conhecem essa tese aborrecida. Há uma certa incapacidade no país de se enxergarem os fatos como eventos senão subordinados, ao menos coordenados, dentro de uma certa cadeia que integra uma lógica. Prefere-se pensar o mundo como uma coleção de fragmentos. E, no entanto, não é assim.

Faz miseráveis dois dias que Lula foi reeleito, e já temos uma coleção de eventos interessantes.

A Bolívia deu o prometido beiço na Petrobras — nem disfarçou: enquanto a eleição, de resultado certo, acontecia, oficializava-se o confisco da receita da empresa, contra o que diz o contrato. Nota: isso já estava decidido havia tempos. E foi feito com a concordância de Lula, sob a inspiração de Hugo Chávez e execução de Evo Morales. Todos eles integram o Foro de São Paulo, que quase toda a imprensa considera uma invenção de paranóicos. Menos o PT. Por que os jornalistas não vão perguntar a Marco Aurélio Garcia o que é o Foro? Ele certamente vai defendê-lo. É um dos de seus fundadores. As Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) também estão no grupo. O confisco só foi adiado porque houve segundo turno. Era para ter acontecido imediatamente após o primeiro. Ouviram-se protestos ruidosos das oposições, certo? Nada! Nem um miserável pio. Imaginem se algum país tomasse uma unidade da Petrobras quando FHC estava no governo... O PT arrumaria alguns mártires para atear fogo às vestes. Como se sabe, é um partido que não aceita privatizar a empresa. Confiscá-la pode.

O segundo evento interessante é a agressão de que jornalistas foram vítimas em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília. Já no aeroporto, o clima era de franca hostilidade. Na lista dos tupinambás, estavam a Veja, a TV Globo e a Folha. Algumas dessas figuras simpáticas são funcionárias comissionadas da Presidência da República. Os canibais estão com fome.

O terceiro evento, ligado diretamente ao segundo, é a crítica que Marco Aurélio Garcia, presidente do PT, fez à imprensa, de quem cobra um exame de consciência e, acreditem!, uma desmentido: quer que seja noticiado que o mensalão nunca existiu. O argumento deveria ser examinado pelo agora “advogado” e “consultor” José Dirceu: não há provas de que o dinheiro pagava votações no Congresso. Em suas reflexões tortas, este Marco Aurélio quer-nos fazer crer que o mensalão só se provaria contra recibo: votou, recebeu. Mas foi mais adiante: disse ver com simpatia movimentos de supostos leitores que cancelam assinaturas de veículos de imprensa. Ou seja: ele está dando a senha: quer uma blitzkrieg petista contra os jornais e revistas. Menos aquelas que funcionam como cartilhas, é claro.

E o quarto evento interessante, que aos incautos parecerá descolado dos outros três — e até contraditório —, mas que, com eles, se combina perfeitamente, é a ofensiva que Lula vai fazer para atrair as oposições em nome da governabilidade — enquanto, para usar uma imagem ao gosto desses democratas, a sujeira do dossiê é varrida para debaixo do tapete. A síntese é mais ou menos assim: “A gente ganha as eleições, governa, reparte os cargos, faz o quer; a vocês, oposicionistas, cabe responder pela governabilidade”. Ou, nas palavras de Lula em entrevista ao Jornal Nacional: “É preciso distinguir o que é oposição do que é atrapalhar o Brasil”.

Eis o partido. Estende a sua mão visível a uma mímica de institucionalidade e usa a invisível para tentar submeter a República a seu projeto de poder. Não me venham dizer que está sendo ineficiente. Seu projeto não deixa de ser bem sucedido: nunca antes “nestepaiz” gente tão suspeita teve direito a uma segunda chance.

Collor perdeu o único mandato que tinha por muito menos. Lula está levando o segundo por muito mais.
Por Reinaldo Azevedo