sábado, outubro 28, 2006

AUGUSTO NUNES SETE DIAS

Sete Dias

29/10/2006
Augusto Nunes
augusto@jb.com.br


Aproveite o celular, presidente

O presidente da República já informou que, se não fosse Lula, gostaria de ser Juscelino Kubitschek. O destino não permitiu a JK tratar desse assunto, mas a hipótese contrária parece insensata. Ele não desejaria ser Lula. A evidente distância entre ambos ganha dimensões abissais quando o Grande Pastor assume a liderança da vanguarda do atraso e desanda no ataque a medidas que modernizaram o Brasil


A privatização de estatais, por exemplo. "Eu não teria vendido as telefônicas", exemplificou Lula ao infiltrar o tema na campanha eleitoral. JK diria que, se a transferência das empresas para a iniciativa privada merece, na forma, alguns reparos, foi exemplarmente acertada no conteúdo.

A decisão livrou o mamute federal dos tumores disseminados por monstrengos ineptos, gulosos, envelhecidos, envilecidos, condenados à morte por inanição. Até 1997, quase 30 siglas - cabides de empregos para apadrinhados, gazuas manejadas por bandidos amigos - submeteram milhões de brasileiros à mudez, à estática e à extorsão.

Para escapar das filas medonhas, formadas por interessados na aquisição de linhas fixas, multidões de contribuintes consumiram fortunas em transações pinçadas nas páginas de classificados. A privatização dos feudos odiosos universalizou o acesso ao telefone e encerrou a era do abuso.

Caso tivesse vivido para utilizar os pequenos aparelhos hoje ao alcance do Brasil inteiro, JK decerto daria um recado a Lula: "Aproveite o celular, colega". Só não recomendaria a imediata suspensão de frases alopradas porque JK, ao contrário do herdeiro, era homem educado. Era gente fina.

A polidez o impediria de lembrar ao atual presidente que também a privatização da Vale do Rio Doce foi uma ótima idéia. "Eu não teria vendido", repete Lula. "Principalmente por um preço tão baixo". O preço, como ocorre nos leilões públicos, resultou das leis do mercado.

O valor da empresa acusou saltos extraordinários justamente por ter sido privatizada. "Se a Vale tivesse continuado estatal, hoje não seria a segunda maior siderúrgica do mundo, mas uma empresa a ser comprada", resume o economista William Eid, coordenador de um bem-vindo levantamento produzido pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas.

O estudo avisa que a Vale, como quase todas as outras estatais privatizadas, tornou-se bem mais eficiente, lucrativa e financeiramente saudável. O investimento programado para este ano, por exemplo, soma US$ 4,6 bilhões. É 10 vezes superior ao registrado em 1997. Ganhou o governo, que passou a receber impostos antes sonegados. Ganharam os acionistas, agora beneficiados por lucros substanciais. E ganharam os trabalhadores. Os funcionários da Vale eram 11 mil no ano da privatização. Hoje, passam de 44 mil. Lula talvez não saiba disso. Ele nunca sabe de nada.

Sim, o presidente é incapaz de poupar a lógica e a sensatez. Deveria ao menos poupar JK.

Cabôco Perguntadô

O Itamaraty redesenhado pelo triunvirato composto por Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia e Samuel Pinheiro Guimarães admira o cubano Fidel Castro, aprecia o venezuelano Hugo Chávez, simpatiza com o boliviano Evo Morales e odeia o ianque George Bush. Disso o Cabôco sabe. Quer saber agora o que a turma pensa do iraniano Mahmoud Ahmadinejad e do norte-coreano Kim Jong Il. A parte sensata do planeta acha que os dois são malucos. O Itamaraty discorda?

A ofensiva dos medrosos

Controladores de vôo acampados nos principais aeroportos brasileiros conflagraram o tráfego aéreo, ao longo da semana, com a chamada "operação padrão" . Em tese, seguem trabalhando normalmente. Mas demoram horas para liberar pousos e decolagens. A Infraero finge que tudo vai bem. As empresas não perdem dinheiro. Só os passageiros são agredidos por essa greve que não ousa dizer seu nome, feita sob medida para sindicalistas que têm medo de patrão.

Wagner não viu o filme inteiro

O governador eleito da Bahia, Jacques Wagner, avisa que os petistas metidos na enrascada do dossiê fraudulento "têm o direito de mentir, para não se prejudicarem". Wagner anda vendo muito filme policial americano, mas só presta atenção à parte em que o policial lê os direitos do detido. Alguém precisa lembrar-lhe que, em seguida, investigações e interrogatórios esclarecem o caso, e a Justiça engaiola os culpados. No caso, Lula já estaria sem churrasqueiro.

A caminho do grande fiasco

Alguns em tom de deboche, outros no estilo dos falsamente misericordiosos, jornalistas brasileiros divertiram-se com as trapalhadas ocorridas nos Pan-Americanos de 2003, realizados na República Dominicana. Se a comissão encarregada dos Jogos de 2007 não criar juízo, se não corrigir os descaminhos evidentes, o Rio vai reabilitar Santo Domingo. E entrar para a antologia mundial da incompetência como sede do maior fiasco da história dos Pan-Americanos.

Yolhesman Crisbelles

Concebido para também premiar foguetórios retóricos tão consistentes quanto um prédio construído por Sérgio Naya, o troféu da semana vai para o fecho do artigo do pensador mineiro Mauro Santayana publicado no Jornal do Brasil do dia 22:

Até que enfim, estamos, em nosso país, entrando no século das luzes.

O presidente Lula deveria encaixar a frase num improviso caprichado sobre o programa de eletrificação rural do governo