quarta-feira, setembro 27, 2006

Míriam Leitão - Mal na lista


Panorama Econômico
O Globo
27/9/2006

Que importância tem um ranking como o de Competitividade Global do World Economic Forum? Se o mundo todo estivesse correndo para investir na Suíça, na Finlândia e na Suécia, a conclusão seria a de que o ranking é o perfeito retrato da realidade. Os Estados Unidos tiveram a maior queda na classificação e continuarão tendo a economia que mais atrai capital externo no mundo. A China está no 54º lugar, 41 níveis atrás de Taiwan, ilha que pretende anexar, apesar de ser a economia que mais exporta e um dos maiores destinos do capital externo.

Portanto, esse tipo de aferição tem importância relativa. Ela reflete a opinião negativa muito mais dos empresários locais que a análise objetiva das potencialidades do país, ou mesmo de sua conjuntura. O Índice de Competitividade Global é feito com os dados objetivos que estão disponíveis sobre o país e uma pesquisa de opinião com executivos. Do Brasil, 200 empresários foram ouvidos. O fato de o país ter caído para o lugar de número 66 num ranking em que sempre esteve mal não quer dizer que o Brasil sumiu do mapa do interesse dos investidores externos, nem que começará agora uma fuga do próprio investidor brasileiro do país.

O ranking serve, primeiro, para aquele momento de autocomiseração de que os empresários brasileiros gostam tanto. Agora poderão dizer que o Brasil é pior que Azerbaijão, Eslovênia, Malta, Croácia, Ilhas Maurício e Letônia. Aliás, a Letônia está bem na foto, está 18 lugares à frente da China. Certamente a próxima potência mundial.

O Brasil, nos últimos anos, venceu uma prolongada fragilidade externa que atormentou o país por três décadas; a inflação brasileira pode atingir este ano níveis mundiais de 3%; o país tem superávit primário há oito anos e os juros, apesar de altos, estão muito mais baixos que no ano passado. Apesar disso, na área macroeconômica, o Brasil caiu do 91º lugar para o 114º lugar, ou seja, quase um dos piores países do mundo nesse quesito, porque a lista tem 125 países.

O Brasil vai mal em vários pontos, mas não está tão ruim assim, mesmo com tudo o que os analistas têm ressaltado de piora na qualidade da política macroeconômica, como a percepção de que novos problemas fiscais, que pareciam já estar superados, estão reaparecendo por causa da farra eleitoral do governo Lula neste ano.

Há uma enorme lista de questões para serem enfrentadas, e pontos a serem melhorados na economia brasileira, mas não tendo como objetivo final parecer bem num ranking com contradições como essas - ou seja, não é para passar o Azerbaijão nosso concorrente direto -, mas porque o Brasil precisa enfrentar seus obstáculos e retomar o crescimento de forma mais vigorosa. A lista de classificação deve ser vista sempre como um incentivo para avançar, mas não como momento de autoflagelação.

Ela serve para exibir outro problema realmente grave: se os empresários brasileiros ouvidos foram fundamentais para pôr o Brasil em tão baixa posição, se eles acreditam que o país é um dos piores em política macroeconômica do mundo, se eles acham que o Brasil caiu nove pontos no ranking de competitividade desde o ano passado e, mesmo assim, nada fazem a respeito, é porque ficaram lenientes com os erros. Passaram a tolerar o intolerável.

Há outro alerta importante no texto divulgado pelo World Economic Forum sobre o Brasil: duas razões do pessimismo são a desigualdade de renda e a corrupção. A desigualdade é velha como o país, portanto não foi isso que fez piorar a percepção dos empresários. O aumento da corrupção é visto como um dos fatores que impedem o avanço da competitividade. Assim sendo, ficou claro que os problemas políticos - que nos assombram nesta eleição sem crise econômica, mas com uma das piores crises políticas da nossa história - afetam a economia. A corrupção está produzindo uma aversão ao investimento, e isso é uma razão a mais para que o país encontre mecanismos para combatê-la. Há motivos de ordem moral para o Brasil não ser tolerante com a corrupção, mas, se querem algo mais concreto: a corrupção está subtraindo investimentos, emprego e crescimento econômico do país.

Outro ponto que sempre angustia nessas comparações internacionais é a educação. O quadro educacional brasileiro é espantosamente atrasado. Perdemos de países com menos recursos que o Brasil por opções feitas anteriormente e que renovamos anualmente, como o desprezo pela educação fundamental e a escolha de investir muito mais no aluno do curso superior.

Rankings internacionais trazem sempre contradições gritantes, porque a qualidade dos dados é diferente em cada país e há sempre barreiras para tratar como iguais indicadores que têm metodologias de apuração diferente. Por isso, o Brasil não deve se considerar o 66º mais competitivo do mundo. Mas ele deve sempre perseguir algo que os diretores do Forum explicitaram nas entrevistas que concederam: boas políticas e boas instituições são fundamentais para a economia. O que mais aflige, ao encontrar uma lista do que o Brasil precisa fazer para ser mais eficiente e competitivo, é notar que uma campanha eleitoral se encerra sem que os temas tenham estado em debate.