São dois governos distintos que estão em disputa nestes últimos dias de campanha eleitoral. Um carrega a herança maldita do banditismo político que comanda as ações do PT, um partido que vendia a imagem de pureza, mas que desde sempre esteve envolvido nas mais tenebrosas transações, desde os tempos em que começou a assumir o poder político nas prefeituras pelo interior do país. O outro é o da redução da pobreza que mostra a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, com base na Pnad, divulgada na sexta-feira, a nove dias da eleição. Fora o fato de que há um inequívoco tom político na escolha da data da divulgação, ou no mínimo uma falta de cuidado com o que ela poderia significar nesta reta final da campanha eleitoral, os números do estudo do economista Marcelo Néri são motivo de comemoração, embora a desigualdade da distribuição de renda no país continue.
Ao contrário de reduzir a desigualdade, o governo Lula permitiu um ganho maior aos 10% mais ricos — que se apropriavam de 12,5% da renda do país em 2001 e hoje têm 14,1% — e uma perda dos 50% mais pobres, que tinham no último ano do governo Fernando Henrique 47,2% da renda e hoje têm 45,1%.
O governo do banditismo político deve-se ao DNA autoritário do sindicalismo que domina o PT, que transplantou para as relações nacionais o aparelhamento do Estado e o clima de vale-tudo que preside as ações no mundo, e não apenas no Brasil.
O cinema e a literatura americanas já mostraram o submundo das disputas sindicais nos Estados Unidos, transformando em mito Jimmy Hoffa, líder do famoso sindicato dos motoristas de caminhão e similares dos Estados Unidos (o International Brotherhood of Teamsters), que tinha uma ligação com a máfia e desapareceu misteriosamente em 1975, sendo que seu corpo nunca foi encontrado.
A parte econômica é a herança bendita deste governo, que em boa hora deu continuidade à política que combatia na oposição, e está recolhendo os frutos. Os efeitos do programa de estabilização estão surgindo com mais vigor nos últimos quatro anos, fazendo com que a redução da pobreza volte a se acelerar na mesma proporção do primeiro governo de Fernando Henrique, com a implantação do Plano Real.
A idéia de que estamos vivendo “um novo Plano Real”, com o aumento real de 10% do salário mínimo, a ampliação do Bolsa Família e a inflação baixa, explica com clareza por que os votos em Lula são tão consolidados nas faixas de renda mais baixa. O curioso desse caso é que a atuação do Banco Central no controle da inflação, que sofreu ataque do petismo militante, é o que está turbinando o ganho de poder aquisitivo das classes mais pobres.
O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, em conversas recentes, tem revelado preocupação com a tendência gastadora da atual equipe de governo, e confidenciou um dado interessante: segundo seu relato, o presidente Lula já se convenceu de que controlar a inflação é imprescindível para se obter bons resultados econômicos, especialmente para as classes mais pobres.
Por isso, apoiaria qualquer medida do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, mesmo que fosse preciso aumentar os juros para controlar a inflação em uma situação de crise da economia internacional.
Mas ainda não se convenceu de que gastar mais gera inflação, e fica tentado a aceitar as teses do grupo “desenvolvimentista” de que é possível gastar mais e compensar com o aumento da carga tributária, mesmo que não se diminua o superávit fiscal.
A pesquisa Datafolha mostra uma pequena queda das intenções de voto em Lula, e que a subida de dois pontos do candidato tucano Geraldo Alckmin foi anulada pela queda na mesma proporção das intenções de voto em Heloísa Helena. Mesmo assim, a diferença entre Lula e os demais candidatos caiu para oito pontos percentuais, quando há três dias era de dez pontos. No Ibope, essa diferença caiu para três pontos. Isso quer dizer que a possibilidade de Lula vir a vencer a eleição ainda no primeiro turno continua mantida, mas a diferença vem se estreitando.
Dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, essa diferença pode ser de seis pontos percentuais, que pode ser anulada se prevalecer a tese oposicionista de que os “não-votos” (abstenção, votos em branco e nulos) serão em maior quantidade do que apontam as pesquisas de opinião. Entramos na reta final da eleição com um fato novo que não estava nas contas governistas — o escândalo da compra do dossiê contra os tucanos — que pode forçar a realização do segundo turno, como até Lula já admite.
A questão é saber se a oposição terá tempo para transferir para os eleitores desinformados a carga de indignação que o episódio provoca nos eleitores bem informados, que ainda é pequena, como mostra a pesquisa, mas suficiente para reduzir as chances de Lula.
Pelo detalhamento do Datafolha, entre os eleitores que tomaram conhecimento das prisões de petistas, a decisão de votar em Lula e Alckmin está rigorosamente empatada pela atitude dos “desinformados”, que votam em Lula em uma proporção de 56 a 31, enquanto os “bem informados” rejeitam Lula em uma proporção de 50 a 43.
Se a oposição conseguir, nesta última semana de campanha, que esse eleitorado fique mais bem informado e ligue causa e efeito, isto é, os escândalos que estão acontecendo e já aconteceram na presença de Lula na Presidência da República, poderemos ter uma reta final emocionante e talvez um segundo turno bem disputado.
Mas, se prevalecer a sensação de que todos são iguais, Lula permanecerá mais quatro anos no poder. Uma coisa já é certa: se deixar de ganhar no primeiro turno, será muito mais por culpa de seus “companheiros” do que pela atuação da oposição.