domingo, setembro 24, 2006

Fernando Gabeira:Notas sobre uma semana punk



Folha de S. Paulo (23/09/06)

O único aspecto da imunidade parlamentar que defendo é o direito de expressar idéias

NO FUTURE. O slogan do movimento punk dominou esta semana no Brasil. No domingo, os jornais anunciavam os primeiros movimentos do escândalo da compra do dossiê contra Serra. E a coluna de Elio Gaspari trazia a informação de que o presidente Lula falou em fechar o Congresso. Sancho Pança dava um bom conselho a Dom Quixote: olhe mestre, olhe bem o que está falando.

Por falta de um Sancho Pança, Lula está se confrontando com moinhos de vento que jogam lama em todas as direções.

Não precisa cortar a mão do Jader Barbalho, como fazem alguns países muçulmanos. Mas também não precisava beijá-las. Era possível classificar Suassuna de leal. Mas decente, mestre? Comparar o Newton Cardoso com Pelé?

Tudo isso indicava já um futuro difícil para a reconstrução do vínculo entre política e sociedade no Brasil. O escândalo do dossiê, coordenado pelo grupo de inteligência do PT, rompeu uma das pontes estratégicas: a confiança entre adversários para aprovação de projetos convergentes.

Já no meio do ano passado, o governo nos atendeu quando fizemos uma reunião secreta com o general Jorge Felix e pedimos a demissão de um petista chamado Mexerica, que estava alojado no Banco do Brasil com a missão de bisbilhotar contas. Foi uma operação discreta, graças também ao desinteresse da mídia.

Agora, surge na campanha de Lula um analista de risco que tinha a mesma função no BB. Se deixou o Banco para espionar em favor do PT, quem garante que não o fizesse dentro do próprio BB, para obter dados sobre a oposição?

Pessoalmente, isso não deveria me interessar, pois minha no conta no BB é de uma entediante monotonia. Mas e o sigilo bancário que deveria proteger a todos?

Estão todos preocupados com a imagem de Lula. Sabia, não sabia, bebeu, não bebeu. O caso do Banco do Brasil é de mais longo alcance. É uma instituição, depende da confiança do cliente. Ele não se se define, necessariamente, a partir dos mesmos elementos de sedução da política.

O grupo no governo parece não ter a mínima idéia de como está minando o futuro, de como será difícil caminhar nessa terra devastada.

Neste momento, em que escrevo, já sabem de tudo o que aconteceu. Levarão dias para formular uma versão corrigida, e os detalhes mais escabrosos tentarão empurrar para depois das eleições.

Como adversário, com uma visão construtiva, o que é possível esperar? A última vez em que discuti com o ministro Márcio Thomaz Bastos, disse que preferia um advogado numa carreira reconhecida do que um ministro sob suspeição. Ficou sentido. Agora está formalmente sob suspeição no TSE.

O único aspecto da imunidade parlamentar que defendo é o direito de expressar idéias. No entanto, estimulado por Lula, um dirigente de sua campanha pede um processo contra mim no Supremo. E o ministro Eros Grau acolheu a denúncia, para escândalo dos juristas conscientes do Brasil.

Em outras palavras: ruiu, nesta semana, a ponte do entendimento. Decidiram saquear e enfrentar o país, baseados na sua maioria potencial de votos. Como diz a música: quanto mais pesado vierem, mais pesado sairão.

Nosso limite implica em rejeitar atos ilegais e, firmemente, descartar a violência. A partir daí, é reunir as crianças e anunciar que vai começar uma etapa na qual não somos mais donos de nosso futuro.

Acho que eles não matam gente. Há quem afirme o contrário, baseado no caso Celso Daniel. Mantenho, apesar disso, minha posição de que não ultrapassam esse limite.

Vão ameaçar com o povo na rua. Dominam entidades, hoje alimentadas por verbas oficiais, e acreditam que elas possam ser uma correia de transmissão. O povo, às vezes, decide mandar para o ar burocratas e suas organizações. A Hungria, por exemplo, já começou a caça aos mentirosos.

Embora não seja uma guerra, de um ponto de vista formal muitos elementos dela estão em jogo. Não dá mais para conviver fraternalmente com cineastas que justificam o mensalão, escritoras que propõem a imoralidade e atores que atribuem às "Mãos Sujas" de Sartre um sinal verde para desviar dinheiro público.

Essas pessoas são cúmplices de uma quadrilha que domina o governo brasileiro. São peixes do mar de lama. Em vez de revidarem com a sabedoria de Sancho Pança, empurram seus Quixotes para dias imprevisíveis.