sábado, setembro 30, 2006

DORA KRAMER

As aparências não enganam Lula nunca pensou em ir ao debate, fez só um jogo de cena e agora simula 'acerto'

A situação moral do presidente da República é tão ruim que, sob a ótica exclusiva do interesse eleitoral dele, pode realmente ter feito um bem a si não indo ao debate da TV Globo. Por isso mesmo, em momento algum ele pensou seriamente em ir ao debate.

Simulou indecisão, manipulou a informação - como de resto manipula imagens, imaginários e simbolismos em geral - e, como a assessoria espalhou que a decisão de não ir foi de caráter pessoal, posa como autor do 'acerto'.

Uma maquiagem como tantas outras, agora visando a fortalecer o mito do intuitivo, cuja intuição o põe sempre no caminho certo. Desta vez não tinha escolha. Não foi, não porque escolheu não ir, mas porque não tinha outra saída.

Entre o risco da grande perda e o cálculo do menor dano, ficou com a segunda hipótese.

Desrespeito ao eleitor à parte - este aspecto de sua relação com a sociedade Luiz Inácio da Silva já resolveu quando reclamava do 'povinho' em suas derrotas do passado, e reafirmou recentemente, ao informar que só iria a debates 'quando interessasse' -, nada do que dissesse poderia contar pontos a seu favor.

Este é o seu ponto fraco no momento: acossado pelas evidências, vai perdendo a capacidade de convencer e a possibilidade de freqüentar qualquer ambiente onde seja questionado.

Era óbvio que o assunto corrupção dominaria o debate. Por isso, a alegação da proteção da figura institucional do presidente de uma avalanche de grosserias soou a todos, e o mediador William Bonner deixou bem claro isso, como mero pretexto para se ausentar e ainda tentar reduzir o prejuízo fazendo-se de vítima.

O constrangimento de ouvir em rede nacional perguntas como a de Cristovam Buarque sobre a possibilidade de renúncia caso fique comprovada a intenção de uso eleitoral do dossiê Vedoin em favor de sua candidatura seria muito maior que a repercussão negativa da ausência.

Isso sem contar a ira santa da senadora Heloísa Helena e a frieza penetrante do anestesista Geraldo Alckmin.

Afeito a ignorar a realidade, o presidente Lula apenas se manteve fiel ao seu estilo ao preferir buscar reforço afetivo, aval político e reverência eleitoral no comício em São Bernardo do Campo, no lugar de se confrontar com algumas verdades que julga dissolver por obra e graça de populismo e, eventualmente, votos.

Antes que se diga que votos são tudo numa democracia, convêm lembrar que é por intermédio deles que o governante chega ao poder, mas, uma vez lá, deve obediência a outros preceitos democráticos, tais como respeito à lei e às instituições, apreço às liberdades e aceitação do contraditório.

Há vários exemplos de mandatários eleitos cuja manipulação dos instrumentos de poder solapa os preceitos da obediência à alteridade e da convivência natural com a pluralidade, sendo Hugo Chávez o mais bem-sucedido (por enquanto) e próximo de nós.



Mal na foto

A publicação das fotos do dinheiro do dossiê, a despeito da proibição imposta pelo governo, é caso típico da emenda que torna desastroso o soneto. Ao tentar proteger a candidatura Lula, o ministro da Justiça acabou desguarnecendo ainda mais o governo.

Confirmam-se as previsões de que essa tentativa de esconder o impossível de ser ocultado mais cedo ou mais tarde explodiria no colo do governo, exatamente como a bomba do dossiê.

Se não tivesse censurado as fotografias para evitar o uso das imagens no horário eleitoral, manteria a prerrogativa de fazer o discurso 'republicano' e poderia exibir, como fez em outras ocasiões, o gesto como 'prova' do distanciamento do presidente da trama.

Isso foi perdido no momento em que o ministro Márcio Thomaz Bastos deu entrevistas alegando razões eleitorais.

Mas ainda há espaço para as coisas piorarem. A depender das ações para 'apurar o vazamento' das fotos, o governo ampliará sua já fornida folha corrida de complicações político-policiais.

A Polícia Federal anunciou abertura de inquérito para descobrir como o Estado de S. Paulo obteve as fotografias. A última vez que a PF abriu inquérito para 'apurar' uma situação desfavorável ao governo foi no caso Francenildo Costa, o caseiro, e, a partir desse empenho em inverter o ônus da suspeita desenrolou-se o fio da meada da quebra do sigilo bancário para desmoralizar a testemunha.

O ministro Tarso Genro vê ação do PSDB na divulgação das fotos. Pode até ser, mas aí os tucanos teriam sido algo lentos, ineptos mesmo, pois, para eles, ideal seria ter as fotos para mostrar no programa eleitoral. O argumento, evidente, não se agüenta nas próprias pernas.



Custo PMDB

A confusão é tanta, a sucessão de anomalias é tamanha, que é preciso reler com atenção jornais atrasados para notar que o PMDB já pôs a funcionar seu eficiente guichê de negociações programáticas: o candidato ao Senado por Minas, Newton Cardoso, pede ao presidente Lula, se reeleito for, seis ministérios para o partido.