Dora Kramer - Operação conta-gotas |
O Estado de S. Paulo |
29/9/2006 |
A semana passada terminou com o ministro da Justiça dizendo que o caso do dossiê estava 'praticamente esclarecido'. Esta semana acaba amanhã ainda sob o signo da insistência da Polícia Federal na versão de que é impossível qualquer esclarecimento definitivo antes do primeiro turno da eleição, mas a pressão por informações já trouxe a público o nome do homem da mala, o portador do dinheiro entregue aos petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha para o pacote incluindo compra e publicação do material. Trata-se de Hamilton Lacerda, assessor de comunicação da campanha do candidato ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, demitido sob a alegação de que havia oferecido o dossiê à revista IstoÉ, numa ação sem qualquer intenção de compra e venda. O próprio Mercadante corroborou a história do assessor, hoje sabe-se mentirosa, porque a polícia, mediante análise dos vídeos das câmeras de segurança do hotel onde foram presos os petistas, constatou que Hamilton levou o dinheiro. Portanto, eram mentirosas também as declarações de Valdebran e Gedimar sobre 'dois homens' cujos nomes ignoravam e que teriam sido responsáveis pela entrega do R$ 1,75 milhão. Um deles seria conhecido por 'André'. Tudo ficção, tentativa de atrasar as investigações e retardar a descoberta dos mandantes do crime. Ou seja, o procurador Mário Lúcio Avelar não estava, como alegam os presidentes da República e do PT, a serviço de uma 'jogada política' quando pediu a prisão dos envolvidos. E não o fez como lance de efeito, sabendo que não poderiam ser presos dias antes das eleições, como acusou um delegado. Fez no prazo possível, já que o primeiro pedido havia sido negado pela Justiça. Já a Polícia Federal, pode-se dizer sem receio de exagerar, fez corpo mole, pois não é crível que tenha levado quase duas semanas para identificar, numa gravação feita em hora e dia conhecidos, uma pessoa cuja fotografia saiu em todos os noticiários. Ontem o Banco Central avalizou a impressão de que a PF faz uma operação conta-gotas ao dizer à oposição, e depois em nota oficial, que ninguém, nem a polícia nem o Ministério da Justiça, pediu informações para ajudar no rastreamento do dinheiro. A próxima semana começa com Luiz Inácio da Silva reeleito presidente ou como oponente de Geraldo Alckmin no segundo turno. Em qualquer das hipóteses, Lula terá de se defrontar com o resultado das investigações desprovido do argumento de que tudo fez para esclarecer de onde veio o dinheiro para pagar o dossiê. E 'fazer tudo' no caso não significa interferir no trabalho da polícia, muito menos extrapolar de suas funções, mas ser enérgico com o 'bando de aloprados' de seu comitê de campanha para saber deles como, por que, com a autorização e dinheiro de quem foram atrás de comprar espaço em revistas para publicar denúncias contra adversários eleitorais do PT. O presidente já disse mais de uma vez nos últimos dias que é o maior interessado em saber tudo a respeito do episódio. Considerando que os 'meninos' não estão presos nem inacessíveis, Lula poderia perfeitamente ter perguntado a eles o que foi mesmo que aconteceu. De duas uma: ou a idéia não lhe ocorreu ou já perguntou e sonega ao País a informação. Poucas horas antes do debate da TV Globo entre os candidatos a presidente, o cientista político e analista de pesquisas contratado pelo PFL, Antônio Lavareda Filho, avaliava, na hipótese de Lula ir, que só um desempenho desastroso poderia levá-lo uma perda de votos robusta. Segundo Lavareda, o único fato capaz de mudar o rumo da eleição seria o debate. Se as pesquisas de hoje e amanhã indicarem queda de Lula para 47% ou 46% e o crescimento dos adversários em cerca de 2 pontos porcentuais, aí sim a campanha de Alckmin poderia ter a expectativa de disputar uma nova etapa. Com todo respeito que a situação não merece: foi tosco o jogo de cena do governo em torno da ida ou não de Lula ao debate. O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, envia mensagem considerando 'agressiva e leviana' a análise sobre declarações de Gilberto Gil em Genebra a respeito da apatia brasileira ante a corrupção. 'Fica claro em cada citação do ministro que ele fazia apenas constatações sobre a percepção dos brasileiros sobre a corrupção, sem jamais justificar ou relevar a prática. Você não foi justa com seus leitores e omitiu declarações em que ele condenava a corrupção.' A declaração - 'Nós que estamos comprometidos com o processo civilizatório e o império da lei temos que condenar' -, segundo Ferreira omitida, está no texto (o que uma lida menos apressada pode constatar), como registro da condenação feita por Gil. De resto formal, pois o ministro justificou sim a prática ao classificá-la de 'comum' e relevou seu uso na frase 'corrupção não impede cidadania'. |