Celso Ming - Ninhada magra |
O Estado de S. Paulo |
29/9/2006 |
Por contingências burocráticas e de calendário, o Banco Central ficou atrasado em relação aos fatos. Ontem, divulgou o Relatório de Inflação, documento pelo qual presta contas da administração das metas de inflação e tenta fazer a cabeça dos agentes econômicos para coordenar as expectativas sobre o futuro. É um calhamaço de 164 páginas no qual a autoridade encarregada de executar a política monetária (Banco Central) analisa todas as áreas da economia que têm relação com a inflação. O Relatório de setembro leva em conta apenas os dados conhecidos até final de agosto. Nas quatro semanas seguintes, muita coisa aconteceu e já há condições de dizer que as perspectivas para a inflação melhoraram muito. Mas o Banco Central não incorpora essas novidades nas análises porque se atém ao que aconteceu nos oito primeiros meses do ano. Mais do que novidade, o principal dado do Relatório é um reconhecimento. O Banco Central reconhece que não dá mais para contar com um crescimento econômico de 4,0%, como constava em tantos documentos oficiais anteriores, e passou a trabalhar com uma ninhada mais magra, de apenas de 3,5%. Comprou a versão questionável de que esse recuo se deveu aos jogos da Copa do Mundo, que teriam paralisado a atividade econômica, à greve dos auditores da Receita Federal, que, supostamente, atrasou a entrada de matérias-primas importadas e à parada para manutenção de plataformas da Petrobrás. A seleção só disputou cinco jogos na Copa do Mundo e apenas três deles em dias úteis. Todos os dias há equipamentos em manutenção e greves pelo País. Esses fatos não têm toda essa força a ponto de tirar meio ponto porcentual do PIB. Para os observadores de fora do governo, a nova projeção do PIB para este ano ainda está alta demais. O levantamento semanal da Pesquisa Focus, que o Banco Central divulga a cada segunda-feira, mostra que o setor produtivo já trabalha com um avanço mais baixo, de 3,09%. O mesmo se pode dizer em relação à própria inflação prevista para este ano. O Relatório admite para 2006 inflação de 3,4%, conclusão que ainda não incorpora a estimativa, elaborada a partir de dados novos, de uma evolução do IPCA bastante baixa em setembro (algo ao redor do 0,2%). Na semana passada, os informantes da Pesquisa Focus apostavam em inflação de 3,03%, que, provavelmente, também está sendo revisada para baixo. Na entrevista que se seguiu à divulgação do Relatório, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Afonso Bevilaqua, não rechaçou a possibilidade de que a inflação deste ano fique abaixo de 2,5%, o piso da meta de inflação, que inclui o desvio de 2 pontos porcentuais. 'Se isso ocorrer, o sistema de metas determina que o Banco Central envie carta ao ministro da Fazenda em que explica as razões do não-cumprimento da meta', limitou-se a responder. Um dos fatores que admite essa expectativa são as novas condições do mercado internacional do petróleo. Os preços, hoje em torno dos US$ 63 por barril de 159 litros, parecem dispensar os reajustes internos dos combustíveis com que contava o Banco Central, como ficou claro na última Ata do Copom. No entanto, se entendeu que não precisou reajustar os preços da gasolina e do gás de cozinha quando os preços do petróleo alcançaram os US$ 78, a Petrobrás tem ainda menos razão para justificar reajustes às atuais cotações. O Relatório registra a nova acomodação dos preços do petróleo, mas se limita a dizer que este é um mercado sujeito a volatilidades. Como sempre acontece, o Banco Central não passa nenhuma dica a respeito dos seus passos futuros. Também não cabem no Relatório considerações sobre como, nas novas circunstâncias, deve ser entendida a perspectiva de 'maior parcimônia' no corte dos juros, expressão repetida na Ata do Copom. Mas está implícito que o Banco Central pode prolongar o corte de meio ponto porcentual por vez. |