segunda-feira, agosto 28, 2006

Roberto Pompeu de Toledo

VEJA
Uma riqueza que
escapa do Brasil

O futebol é mais um produto nacional
que
acaba por engordar de preferência
as fortunas estrangeiras

Rogério Ceni, do São Paulo, e Rafael Sobis, do Internacional, os dois principais jogadores dos times finalistas da Taça Libertadores da América, representam com perfeição, cada um a seu modo, a crise do futebol brasileiro. Rogério Ceni é o mais festejado jogador em atividade no país. Além de ser o melhor goleiro do Brasil, acaba de se sagrar o maior goleiro artilheiro do futebol mundial. Rafael Sobis é uma das boas vocações de artilheiro surgidas nos últimos dois anos. Os dois gols que marcou contra o São Paulo, no campo do adversário, garantiram o título da Libertadores ao seu time. Ele é um símbolo da crise do futebol brasileiro porque tão logo conquistou o campeonato bateu asas e voou rumo ao futebol espanhol. Rogério Ceni é outro símbolo porque encarna uma situação em que o que nos resta a festejar é um goleiro.

Não apenas Rogério mas os goleiros como um todo configuram um caso especial no atual panorama futebolístico – eles são os que mais ficam, num tempo de corrida para ir embora. Não é por outro motivo que hoje se assiste ao fenômeno bizarro de tantos goleiros feitos capitães de seus times. O capitão do Santos é Fábio Costa. O do Palmeiras, quando joga, é Marcos. O do São Paulo é Rogério Ceni. Tirante um jogador que diz coisas que ninguém entende – caso do argentino Tevez, segundo Leão, o novo técnico do Corinthians –, ninguém menos indicado para capitão do time do que um goleiro. Ele fica lá atrás, parado e distante dos outros, num lugar difícil de se fazer ouvir. No entanto, que fazer? Os outros vão partindo e sobra o goleiro como o mais respeitado e experiente do time.

Os goleiros ficam porque valem menos no mercado. Há goleiros brasileiros no exterior, mas a demanda por eles não se compara com a que existe pelos jogadores de linha. Daí que Rogério Ceni, aos 33 anos, ainda permaneça no Brasil, enquanto Rafael Sobis, aos 21, já tenha partido. Não faltam méritos a Rogério, que, além de dono de reflexos apurados e emérito pegador de pênaltis, desenvolveu como cobrador de faltas pontaria comparável à de virtuoses da especialidade, como Didi e Zico. Mas é fato inédito, na história do futebol brasileiro, que o maior jogador em atividade no país seja um goleiro. Um goleiro! – espécime que entra em campo para jogar com as mãos num esporte em que a arte está na habilidade dos pés.

O modelo exportador, que nos leva os Rafael Sobis e deixa os goleiros como prêmio de consolação, é o responsável pela crise do futebol brasileiro. O Internacional, encerrada a Libertadores, vendeu, além de Sobis, outros três de seus titulares. Vai disputar o Mundial de Clubes como um atleta que tem um de seus membros amputados. Hoje em dia os jogadores são vendidos não só para a Espanha ou a Itália. Vão até para a Ucrânia e a Turquia, países muito inferiores ao Brasil tanto em PIB quanto em público para o futebol. O São Paulo vendeu o zagueiro Lugano para o futebol turco. Não há razão alguma para a Turquia possuir cacife que lhe permita levar os bons craques do Brasil. Ou melhor, há: lá não existe uma teia de dirigentes esportivos, empresários e políticos trabalhando com tanto afinco contra os interesses do próprio país. A gestão amadorística, o uso do futebol como instrumento de promoção pessoal e política e a corrupção são os fatores que arrastam ao buraco o mais popular esporte do país.

Estudos do Atlas do Esporte no Brasil indicam que o futebol mundial movimenta 250 bilhões de dólares anuais, dos quais apenas 3,2 bilhões no Brasil – menos de 1,5%. É uma participação indigna até mesmo de um país acomodado à condição de colônia produtora da matéria-prima. O futebol não é nem mesmo o esporte que mais movimenta dinheiro no Brasil – perde para o hipismo e para o rodeio, segundo o mesmo Atlas do Esporte, o hipismo por ser um esporte de gente rica, o rodeio por atrair crescentes adeptos, e ambos por ser administrados de forma profissional. O professor Lamartine DaCosta, especialista em gerência esportiva da Universidade Gama Filho e um dos editores do Atlas, afirma que em 1971, quando ele começou a mexer com o assunto, o futebol representava a metade do dinheiro movimentado pelo esporte brasileiro. Hoje fica nos 20%.

O futebol cinco vezes campeão do mundo é um ratinho raquítico em termos econômicos. E vai continuar a sê-lo enquanto vigorar uma cultura que já incorporou como natural que jogadores de nível de seleção se mudem para a Turquia, e que os times comecem os campeonatos com determinada formação e terminem com outra, tantos são os desfalques no meio do caminho. Jornais, rádios e TVs dedicam amplos espaços ao futebol, mas raramente o assunto são suas estruturas. Tal desatenção contribui para que, como o ouro de Minas, outrora, ou a borracha da Amazônia, o futebol seja mais uma riqueza nacional a engordar de preferência as fortunas estrangeiras.

P.S.: Ah, mas que bom que o futebol exista. Ou que exista uma pendenga em torno do ex-planeta Plutão. Assim não se precisa falar de campanha eleitoral.