terça-feira, agosto 29, 2006

REINALDO AZEVEDO Sobre previsões, erros e o Bell'Antonio


Em dezembro do ano passado, as pesquisas eleitorais indicavam a vitória folgada de José Serra para a Presidência da República. Qual foi o primeiro partido a ficar amuado com isso? O PSDB. Aécio Neves, Geraldo Alckmin e Tasso Jereissati se apressaram em dizer que aqueles números nada significavam.

No dia 3 daquele mês, escrevi neste jornal: “[Aécio] pode estar colaborando objetivamente para a reeleição de Lula. O governador Geraldo Alckmin, por sua vez, diz que prefere mirar o futuro a atacar o presidente, o passado. Anunciou que não vai criticálo se for para a disputa (...) A crítica é um imperativo da política.” Só mais um pouco de memória. Concluía assim o meu artigo: “Certos tucanos são sabidos demais para se dobrar aos fatos. Então, boa sorte! Que, ao menos, se organizem para 1) passar pelo crivo do primeiro turno (só ganha o segundo quem passa pelo primeiro); 2) reconquistar os votos que já têm caso os desprezem na largada; 3) conseguir os outros, que farão a diferença.” Gosto que lembrem o que eu disse.

Como não sou um desses picaretas que sacam da algibeira a desculpa fácil de que “a realidade é dialética”, corro o risco de ser confrontado com os meus erros, coisa que políticos e acadêmicos detestam. Como podemos ver à farta, o PSDB, depois de ter feito a bobagem a que faço alusão no primeiro parágrafo, não se esforçou para cumprir nenhuma das três exigências expressas no segundo. Em dezembro, a reputação de Lula estava no chão, e eu alertava para o risco de ele vencer no primeiro turno.

Se eu podia ver, por que Tasso, Aécio e Alckmin não podiam? Houve uma combinação de vaidade, ambição e obstinação sem lastro que resultou no que aí está.

Um levou a presidência do partido três anos depois de ter desertado das próprias hostes para apoiar um inimigo da legenda — e hoje não apóia em seu estado o escolhido pelo PSDB; outro viu um bom momento para estender sua rede de influências e pleitear o primeiro lugar na fila em 2010; e um terceiro parece ouvir vozes que não são deste mundo.

Mas esse problema, embora grave,

ainda tem algo de conjuntural: essas lideranças, naquele momento, preferiram cuidar do próprio futuro e deixaram de lado o fundamental. E nem é isso o que mais me incomoda. Acima de qualquer outro fator, pesou a brutal ignorância — que é a mesma de setores da imprensa e da academia — sobre a natureza do petismo e sua capacidade de enfrentar adversidades.

O partido tem a socorrêlo uma espécie de dimensão mística que falta às outras legendas. E que pode ainda fazer um terrível mal ao país.

Sim, é verdade: se Lula tivesse conduzido o Brasil à beira do abismo, não seria reeleito. Mas ninguém seria. Essa conversa de que a economia se tornou o fator preponderante, ou único, a determinar a sorte dos governantes é só um dos ingredientes de uma moderna metafísica que pretende matar a política, relegando-a à condição de item secundário de um livro-caixa. Se a realidade da economia justifica que Lula não seja rejeitado pelo eleitorado, a mediocridade de seus números não explica desempenho eleitoral tão bom. Então é preciso avançar. Justamente quando estava mais acuado, quando não tinha resposta a oferecer para o esbulho institucional a que submetera o país, o PT apelou a seus delírios escatológicos e, em vez de enfrentar o debate moral e ético, fez o que a muitos parecia impensável e impossível: eliminou a ética e a moral da conta política. A trilha sonora e o arranjo dessa monstruosidade são de Wagner Tiso. E, curiosamente, o fez tanto com o aporte intelectual de uma Marilena Chaui, aquela que não (?) fala pelos cotovelos, como com o incentivo dos usurpadores do liberalismo brasileiro, que admiram a suposta conversão do PT à economia de mercado.

Chego a sentir uma espécie de pena escarnecida daqueles que acreditam que vão herdar de Lula um país em fadiga de material, pronto a aderir ao primeiro Bell’Antonio que lhe soprar palavras suaves ao ouvido e acenar com amanhãs sorridentes. Mais uma previsão: o PT tudo fará para ser o herdeiro de si mesmo. E começará por tentar mudar a Constituição.

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REINALDO AZEVEDO é jornalista (www.reinaldoazevedo.com.br) — mahfud@uol.com.br.