Insatisfeito, inconveniente e sem partido. É como Cacá Diegues enxerga o artista brasileiro, esse personagem que a ditadura transformou em "grande pensador"
Leia a "Entrevista de Domingo".
Cacá Diegues não apareceu para o jantar. O jejum, no entanto, tem menos a ver com agenda e muito mais com saco - no caso, a falta dele.
Cacá Diegues está desanimado com a política, e o encontro da última segunda-feira, na casa de Gilberto Gil, no Rio de Janeiro, era uma celebração em torno do candidato Lula.
Chico Buarque também não constou, mas este já tinha declarado voto no presidente. E, como estiveram lá a Alcione, a Lecy Brandão e o Zeca Pagodinho, não será por falta de samba que Luiz Inácio irá dançar.
Caetano Veloso foi outro que não foi. Segundo Gil, “não é Lula há muito tempo”. “Não é uma questão racional, é uma questão de afeto”,explicou o ministro.
No rega-bofe do presidente, o pessoal estava com a corda toda. O compositor Wagner Tiso disse não estar preocupado com a ética, e que “o PT fez o jogo que tem que fazer para governar”.
Paulo Betti, o ator, declarou ser a política alguma coisa que não se faz “sem botar a mão na m...”, dando a entender que uma chafurdadazinha de vez em quando não tem problema.
Seu colega José de Abreu propôs um brinde a José Dirceu.
No final, Lula chorou abraçado a Wagner Tiso, enquanto o resto da semana nos reservou a repercussão das declarações.
Até a “cientista política” Elke Maravilha foi consultada e falou sobre o assunto.
Aos 66 anos, Cacá Diegues (Carlos Diegues) não quer entrar em polêmica com ninguém - não suporta a “patrulha ideológica”, termo que ele mesmo inventou.
Mas cobra da intelectualidade brasileira (curioso como no Brasil cantor popular e ator da Globo já são automaticamente intelectuais) uma posição apartidária, “insatisfeita e inconveniente”.
Sem saber em quem votar, vê-se obrigado a escolher entre “o social-elitismo e o social-populismo”.
Está desanimado com a política mas não com o povo brasileiro. Está animadíssimo com o seu novo filme, que entra em cartaz no 7 de Setembro. Entre uma pré-estréia e outra, concedeu a seguinte entrevista ao excelente jornalista Fred Melo Paiva , da qual selecionamos alguns trechos.
Você foi convidado para o jantar com o Lula?
Sim, mas não fui. Estou fazendo a campanha de lançamento do meu novo filme e estava numa pré-estréia no Recife. Uma semana antes, tinha sido convidado para uma reunião com Geraldo Alckmin. Também não fui. Estou muito ocupado e, além disso, muito desanimado politicamente. Eu não sei em quem votar, não tenho realmente vontade de votar em nenhum dos candidatos que estão aí...
Você foi eleitor do Lula ?
Já votei no Lula em algumas eleições e em outras não. Eu tenho acompanhado pelos jornais o debate que se estabeleceu entre os artistas por causa do apoio a Lula. Sobre isso, quero dizer que não sou um intelectual orgânico. Não gosto da idéia do intelectual que pertence a um partido - e que reage aos acontecimentos políticos, culturais e sociais em função de uma disciplina de grupo. O papel do intelectual não é esse. O papel do intelectual é exatamente ter liberdade para se manifestar não organicamente. O fato de eu ter ou não votado no Lula não me faz escravo da disciplina desse candidato.
O seu desânimo com a política tem a ver com as denuncias de corrrupção ?
É claro que a minha decepção com tudo o que aconteceu é muito grande. Eu achava que, pelo menos do ponto de vista da ética, o Brasil iria mudar radicalmente. Não mudou e isso é desapontador. Mas também não concordo com o velho preconceito que vejo nesse ódio social ao Lula. Isso existe e é muito grande. Tem uma elite brasileira que, a cada vez que sente um cheirinho de povo, fica em pânico. O meu pânico não é esse, não. O meu pânico é a minha decepção grave com o que aconteceu ao País em termos de honestidade. Ao mesmo tempo, o sentimento de cidadania cresce no Brasil. Há anos atrás, aconteciam essas mesmas sacanagens e ninguém sabia. Hoje, pessoas estão sendo punidas. Não por causa do governo. Mas por causa da sociedade, dos jornais. Não podemos considerar o crime uma coisa normal...
O Wagner Tiso e o Luiz Carlos Barreto disseram que não existe corrupção se o fim é legítimo
Nenhuma boa intenção e nenhum fim glorioso justificam o crime. Crime é crime.
Por que tanto rebuliço com o pronunciamento de artistas ?
A tradição do intelectual independente, o não orgânico, vem lá do final do século 19 e chega até Susan Sontag e todos esses intelectuais que participaram e participam da vida pública. Descobriu-se que o papel do intelectual no mundo moderno é ser sempre inconveniente. Mas no Brasil eles não são exatamente intelectuais, mas atores e cantores populares... No Brasil, criou-se uma tradição durante a ditadura, quando não havia um classe política com liberdade para falar. Nesse período, o País passou a ser pensado pelos artistas. Chico Buarque e muitos outros fizeram isso com brilhantismo e foi muito certo naquele momento, porque a academia estava amordaçada, políticos não tinham liberdade, a imprensa estava censurada.
E a patrulha ideológica ?
Eu usei o termo como uma piada. Mas era uma piada tão certa que pegou. Tentou-se reduzir a criatividade do artista a uma linha ideológica precisa. E toda vez que se escapa a ela, você é punido.
Todo o mundo no Brasil é social-democrata. Mas não quero ser obrigado a ter de escolher entre o social-elitismo e o social-populismo... O meu desânimo não é com os artistas, os escritores, os intelectuais, os pensadores. Estou desanimado é com a mesmice da política. Eu saio na rua e vejo uma miséria assombrosa. Não precisa ir na favela, apenas dar um pulo na rua. Aí chego em casa, ligo a televisão, leio o jornal, e oposição e governo estão dizendo que a economia vai muito bem. Gostaria de entender o que quer dizer isso...
Por que Marilia Pera e Regina Duarte ficaram marcadas por apoiarem Collor e Serra e artistas que apoiaram o Lula não se queimaram?
As recentes declarações do Paulo Betti e do Wagner Tiso os deixaram muito mal na imprensa... De qualquer modo, analisando a questão de um ponto de vista não partidário, tranqüilo, não sectário, é possível dizer que Lula é o político brasileiro mais amado desde Getúlio Vargas. Não tenho nenhum explicação para isso, mas veja que o Fernando Henrique fez um grande governo... Quer dizer, gostaria que tivesse havido mais transformações do que houve, mas ele acertou em muitas coisas. É um político admirado - mas amado mesmo é o Lula. As pesquisas que dão a ele essa vitória clamorosa nas próximas eleições não têm outra explicação senão essa: ele é amado pelo povo. O que se vai fazer?...
Essa relação artista-político se dá mais no campo do afeto ou depende de patrocínios oficiais
Isso é nossa velha paranóia de procurar chifre em cabeça de cavalo. Pode até haver interesses, mas não pode ser tomado como regra. É injusto e desonesto. Mais uma vez eu cito Chico Buarque, que jamais precisou do Estado para porra nenhuma na vida dele. No entanto apóia o Lula, gosta do Lula, diz que vai votar nele. Duvido que tenha algum interesse mercantil nisso. Mas a democracia também é isso: ela comporta os interesses corporativos e de classe. Como votam os empresários? Naquele que estará fazendo a política econômica que lhes dê mais lucros. Agora, o fato de a Petrobrás apoiar o meu filme não me obriga necessariamente a ser governista.
Blig do Tão