terça-feira, julho 04, 2006

Olhando para a frente artigo - Ilan Goldfajn

O Estado de S. Paulo
4/7/2006

Quem dera que fosse só no futebol. Foi uma morte anunciada. Antes, o
debate sobre a necessidade de mudanças era intenso. Mas não entre os
que detinham os instrumentos para mudar. Estes se revelaram chocados
e despreparados com a derrota.
As conquistas iniciais eram o argumento definitivo para refutar as
críticas: quem reclamava queria o supérfluo, dar show, jogar bonito.
A complacência abria espaço para interesses específicos, criavam-se
múltiplos recordes individuais, de dar inveja ao Hugh Beaver,
inventor do
Livro Guinness de Recordes.A dinâmica era perversa, enquanto se
ganhavam jogos, não havia incentivos para renovar, investir, enfim,
melhorar. O problema era para a frente: será que o apresentado era
suficiente para conseguir futuras vitórias? A dura realidade mostrou
que não.
Fora do futebol ainda estamos nas oitavas-de-final, não fomos
eliminados. Na economia certamente vivenciamos conquistas
importantes, mas há também complacência. Nem sempre o que é
suficiente para galgar certos passos, em determinadas circunstâncias,
serve para o futuro. Ainda há tempo para ficar sóbrio das conquistas
recentes na economia, levar em conta o contexto mundial em que foram
conseguidas e colocá-las em perspectiva de outros emergentes.
Um exemplo claro é o ajuste fiscal iniciado anos atrás.
Por muito tempo, o esforço tem-se concentrado na geração de
superávits primários nas contas públicas, reduzindo gradualmente a
dívida pública como proporção do produto interno bruto (PIB),
contribuindo para a estabilidade e para o crescimento da economia.
Para a frente, no entanto, isso não é mais suficiente. Não basta mais
alcançar as metas de superávit primário baseado no aumento da carga
tributária enquanto os gastos públicos do governo continuarem
crescendo a taxas elevadas. A manutenção dessa tendência comprimiria
o espaço para o setor privado produzir e investir e tornaria difícil
replicar as atuais taxas de crescimento do PIB (da aceleração desse
crescimento nem se fala). Está claro que é imperioso restringir o
crescimento dos gastos, assim como melhorar a sua composição. Mas
isso exige reformas e mudanças relevantes. Por sorte, estamos diante
do início de um mandato (seja o segundo deste governo ou o primeiro
da oposição) no ano que vem, quando se abre uma janela de
oportunidade para promover essas mudanças.
Mas o risco é o olhar complacente para trás, e não o responsável,
para a frente.
A complacência pode também abrir espaços para ilusões. O debate sobre
o câmbio no Brasil, se mal conduzido, pode ser um desses. Por um
lado, há que reconhecer que os resultados positivos obtidos nos
últimos anos foram parcialmente conseqüência das condições
internacionais extremamente favoráveis - forte crescimento mundial,
que beneficiou as nossas exportações, e uma liquidez elevada, que
trouxe capital para o Brasil - e que não há garantia de que essas
condições venham a permanecer nos próximos anos. Por outro lado, não
pode haver ilusão quanto à capacidade de o governo melhorar a
competitividade e promover o crescimento pela simples administração
da taxa de câmbio. Há que considerar que governos controlam o câmbio
nominal, mas é a própria dinâmica da economia que determina o câmbio
real, conceito que leva em consideração o efeito da inflação na
competitividade do país.
Muitos acreditam que o Brasil poderia seguir o caminho de alguns
países emergentes da Ásia que crescem a taxas elevadas com moedas
depreciadas. A idéia é que um país com preços mais competitivos dos
seus produtos poderia exportar mais, crescer mais e gerar mais empregos.
Portanto, nesta linha de raciocínio, o Brasil deveria esforçarse para
manter um real mais fraco para alavancar o crescimento. Mas há duas
ilusões aqui. Em primeiro lugar, vários países asiáticos não só têm
um câmbio real mais depreciado, mas também uma poupança maior (ou
seja, menos consumo) e salários reais mais baixos (de fato, é difícil
encontrar países com salários altos e moedas muito fracas).
Ou seja, o crescimento não estaria vindo do câmbio real mais baixo,
mas, sim, da poupança mais elevada e dos salários mais baixos. O
câmbio real mais depreciado é uma parte da engrenagem de uma economia
que precisa, de um lado, alocar sua poupança elevada fora do país e,
por outro, vender produtos baratos (com base nos salários baixos)
para o exterior. No Brasil, o equivalente seria um forte corte de
gastos que abrisse espaço para mais exportações (e/ou mais
investimento).
Em segundo lugar, gover

Há que fazer o dever de casa, escalar a melhor equipe, evitar
complacência

nos que tentam depreciar suas moedas, sem ter as condições
macroeconômicas para tal, acabam gerando apenas mais inflação, o que
acaba frustrando o desejo de se tornarem mais competitivos. Afinal,
de onde viriam os recursos no curto prazo para exportar mais, sem
reduzir o consumo? A inflação se encarrega de restaurar o balanço
macroeconômico. Na prática, hoje temos o exemplo da Rússia e da
Argentina, que tentam manter suas moedas mais depreciadas do que as
suas condições macroeconômicas permitem e, não é coincidência, detêm
as inflações mais altas do mundo na atualidade.
Em suma, é preciso olhar tanto para as necessidades quanto para os
esforços requeridos para alcançar as metas futuras (e não as passadas).
Complacência pode também levar a ilusões fáceis, como tentar
reproduzir o alheio sem os mesmos suor e lágrimas. Assim como se fez
necessário na Copa do Mundo, para as próximas etapas na economia é
necessário evitar a complacência, fazer o dever de casa, escalar a
melhor equipe e cortar o excesso de peso.?