Panorama Econômico |
O Globo |
26/7/2006 |
Enormes “frangos” entraram nas lojas de fast food em Londres e começaram a perguntar aos clientes se eles sabiam que estavam comendo soja que poderia ser de área desmatada da Amazônia. Isso foi em abril. Os “frangos” eram espalhafatosos militantes do Greenpeace. Seis horas depois, a direção do McDonald’s ligou para o escritório da ONG querendo entender melhor o assunto. A soja é o principal alimento do frango, e a Europa o maior destino da soja brasileira. A manifestação no McDonald’s foi o ponto visível de uma campanha que levou ambientalistas a se reunirem, aqui e no exterior, com grandes multinacionais e empresas brasileiras de soja, cadeias de supermercado, exportadores e produtores agrícolas. O resultado: a Associação Nacional de Exportadores de Cereais e a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais anunciaram que, a partir de agora, não vão comprar soja produzida em área desmatada. O caso é o exemplo de como funciona o mundo globalizado, como se organizam as redes; os interesses se conectam e as decisões são tomadas. O Ministério da Agricultura disse que pode estar se formando uma “barreira não tarifária” à soja brasileira. Quando o relevante era o contato governo a governo, esse tipo de afirmação do ministério era suficiente. Daí, passava-se a uma ação no antigo Gatt contra a “barreira não tarifária”. Hoje, para proteger os interesses comerciais, é bom entender como funciona a cabeça do consumidor. Por que o McDonald’s levou apenas seis horas entre o primeiro homo galinacius entrar em sua loja e a ligação para o Greenpeace para discutir o que a ONG estava tentando dizer? Porque os McNuggets e os McChickens começaram a entalar na garganta dos comedores de fast-food . O apelo do consumo ético está crescendo. É melhor corrigir o problema que procurar conspirações. Afinal de contas, é do interesse do Brasil que seja preservada a Amazônia e, de mais a mais, há muita área disponível para cultivo e pastagem; não é necessário continuar desmatando no ritmo enlouquecido que nos levou, em três anos, 70.000km² de floresta. Os grandes produtores de soja do Brasil são três estrangeiras — Cargill, ADM e Bunge — e a brasileira Maggi, do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. A Cargill escoa sua soja num porto construído por ela entre os rios Tapajós e Amazonas, que tem sido objeto de briga na Justiça. — O porto foi construído sem o estudo de impacto ambiental; assim a Cargill já foi condenada no Tribunal Federal a fazer o estudo. Além disso, ela incentivou os pequenos produtores da região a produzir e isso aumentou muito a grilagem e o desmatamento — disse Paulo Adário, coordenador do Greenpeace na Amazônia. Em um relatório chamado “Comendo a Amazônia”, de fevereiro, a ONG denunciou a relação entre as três multinacionais e o desmatamento. Pelo documento, as empresas constroem infra-estrutura de armazenamento e escoamento da soja e isso atrai os produtores, que se instalam lá através de grilagem e desmatamento; muitos deles usam trabalhadores em condições análogas à escravidão. O relatório dá o nome das empresas que são citadas na lista suja do trabalho escravo e que fornecem para as três multinacionais. Antes da ação nas redes de fast-food , o relatório já havia sido divulgado fazendo as conexões entre as empresas e o desmatamento. Quando o McDonald’s procurou a Cargill nos EUA para perguntar o que era aquilo, a rede de fast-food já tinha os dados para discutir melhor. O McDonald’s é o maior cliente mundial da Cargill. Isso pavimentou o caminho para a negociação que terminou esta semana com a moratória de dois anos assinada pelos exportadores brasileiros e produtores de óleos vegetais. O próprio McDonald’s alertou outros consumidores corporativos. Quem compra da Bunge também foi atrás. A Maggi tem uma fragilidade a mais: depende muito do crédito de bancos, como o IFC, que têm exigências ambientais. Nos últimos dois meses, os ambientalistas fizeram várias reuniões em Washington, Londres, Bruxelas, Manaus, Cuiabá e Rondonópolis com as três multinacionais e a brasileira Maggi, com as redes de supermercados e de fast-food que levaram ao fechamento do acordo. — O que queremos é que as empresas respeitem as leis brasileiras, como a Instrução Normativa 010, que exige o registro das fazendas da região com o mapa georreferenciado, que o estado de Mato Grosso mantenha as exigências para a concessão de crédito que existiam na época do governador Dante de Oliveira, que se legalize o agronegócio brasileiro e se mantenha a integridade da floresta que está em pé — afirma Paulo Adário. A soja brasileira compete com o produto americano, o Brasil está no meio de uma briga planetária pela redução dos subsídios à agricultura e, se os subsídios caírem, o Brasil será ainda mais competitivo; a quem interessa os constrangimentos ao produto brasileiro? Aos nossos competidores, é claro. Mas interessa aos brasileiros também a proteção da floresta, o respeito às leis e a regularização fundiária da Amazônia. A saída não é condenar os interesses dos competidores do agronegócio brasileiro. O melhor caminho é a formação de alianças pelo respeito aos direitos humanos e ao patrimônio ambiental do país. |