quinta-feira, julho 27, 2006

Míriam Leitão - Lados do pacote Panorama Econômico











O Globo
27/7/2006

Uma das críticas ao pacote cambial é que ele seria inócuo para o
objetivo declarado, que é aumentar a cotação do dólar. A primeira
reação do mercado pareceu confirmar essa análise. A outra critica é
que não se pode mudar uma lei que funciona há 70 anos por uma
preocupação conjuntural. O ministro Guido Mantega diz que “a
tendência do dólar mais fraco não é conjuntural, vai continuar nos
próximos anos”.

O pacote tem vantagens, como a de reduzir a burocracia nas operações
cambiais dos exportadores e permitir que parte dos dólares fique no
exterior. Mas não tem o impacto que se esperava que tivesse. Os
analistas vinham dizendo que o dólar não se valorizaria do dia para a
noite com as medidas cambiais. Ontem mesmo, caiu em vez de subir.

Para o ministro, o efeito não será sentido a curto prazo, ele acha
que o mais importante é que as medidas estão “modernizando” o aparato
cambial do país.

— Estamos saindo da lógica da escassez de dólares para a do excesso.
Agora, será permitido que parte dos dólares fique no exterior e que,
sobre ela, não se pague CPMF, o que reduzirá o custo. Mas a Receita
não perderá o controle desse capital, pois as empresas terão que
declarar — explica.

Perguntei a ele se não seria um erro mudar uma lei de 1933 apenas
porque, neste momento, os exportadores estão reclamando do dólar fraco.

— A medida não é conjuntural, pois o dólar mais fraco não é
passageiro; é uma tendência. É resultado do novo status do Brasil no
comércio internacional, do consistente superávit em transações
correntes, dos fundamentos sólidos, da melhora do rating do país.
Tudo isso nos leva à valorização do real frente ao dólar. Hoje o
Brasil é um país visado pelos investidores, novos investimentos
entrarão e, quanto mais sólidos forem os fundamentos, quanto melhor
for a composição da dívida, mais o risco cairá e mais investimentos
teremos. Essas medidas atenuam a valorização do real, mas não haverá
uma inversão da tendência.

A fraqueza do dólar não é apenas conseqüência das virtudes do Brasil,
mas dos pecados da economia americana. Nos últimos quatro anos, o
dólar perdeu valor em relação à maioria das moedas do mundo. No
Brasil, caiu mais; não apenas pelas nossas virtudes, mas também pelos
problemas: a taxa de juros excessivamente alta. Seja como for, a
queda do dólar não é um episódio passageiro. Portanto, os
exportadores brasileiros não terão, em nenhuma medida mágica, a
solução para seus problemas.

O ministro Mantega acha que o pacote que anunciou ontem fará
diferença. Será, como ele disse, “uma desoneração tributária e
operacional” dos empresários que atuam no comércio exterior. Tanto
pelo fato de os exportadores poderem deixar 30% dos seus dólares lá
fora, quanto por suprimir a obrigatoriedade de fechamento de câmbio
para a importação, quanto pela simplificação dos processos nas
operações de câmbio no Banco Central. Chega a ser irônico que o PT,
que defendeu durante tantos programas partidários e tantas eleições a
centralização cambial, esteja fazendo mais liberalização.

Outra medida foi a de permitir o registro como capital estrangeiro
nos processos de conversão de dívida que à época não puderam ser
registrados. O ministro disse que isso afetará positivamente muitas
multinacionais:

— Em algum momento daquele processo de conversão de dívida, as
empresas foram impedidas de registrar todo o dinheiro convertido em
investimento. Mas esse dinheiro está contabilizado em real. Agora
esse capital poderá ser registrado como investimento estrangeiro, o
que permitirá mais remessas de dividendos. Aumenta o fluxo de saída
de dólares.

Emilio Garófalo, ex-diretor da área externa do BC, hoje na Fiesp,
comenta que a mudança corrige um problema contábil. Ele cita um
exemplo: uma empresa trouxe o capital para um investimento que não
fez no tempo certo. A remuneração no banco sobre o capital não
entrava como investimento estrangeiro nos seus dados, então ela não
podia enviar como lucro. Ele conta que o BC chegava a chamar o
montante de “capital contaminado”.

A permissão de que reais sejam usados no Free Shop não tem efeito
algum, exceto corrigir o que Guido Mantega considera ser uma distorção:

— Desvaloriza a moeda nacional não poder ser usada nas compras nos
Free Shops.

No geral, Garófalo está comemorando as mudanças anunciadas ontem:

— É o fim de um tabu de 75 anos. Não vai ter nenhum impacto no câmbio
a curto prazo, mas no médio e longo. Além disso, reduz muito os
custos de transação.

A medida é muito boa para exportadoras, como a Vale do Rio Doce,
cujos 75% da receita vêm de exportações, e a Petrobras. O presidente
da Petrobras, José Gabrielli, diz que só o não-pagamento de CPMF
sobre 30% dos seus US$ 8,7 bilhões de exportação já será um ganho:

— Mas, além disso, facilita a operação da companhia, reduz os
processos e custos.

Se as medidas reduzirem os obstáculos para se fazer negócios no
Brasil, podem ser benéficas. E, pelo menos, foram evitados alguns
erros que chegaram a ser pensados: a CPMF virtual e a concessão do
benefício para apenas algumas empresas de alguns setores.

— A medida será universal e horizontal — disse o ministro Mantega.