O Estado de S. Paulo |
26/7/2006 |
É natural que alguém fique ansioso para prever o futuro. Isso explica por que tanta gente inteligente recorre a cartomantes e também justifica a publicação de horóscopos nos jornais. No caso de eleições para cargos da relevância dos governos estaduais e da Presidência da República, tal obsessão pela futurologia encontra motivo mais forte na expectativa de investidores e até eleitores comuns de apostarem no vencedor. Natural pode ser, mas não é muito sensato. Já diziam as "raposas" mineiras que de bumbum de nenê, cabeça de juiz e urna só se sabe o que sairá depois que sair. Correto? Nenhum pleito ocorreu sem que houvesse essa atenção exagerada dada aos oráculos de plantão, mas neste parece que os profetas estão sendo demandados além da conta. Talvez por isso seus vaticínios tenham sido tão erráticos quanto tem sido desventurada nossa aventura democrática. Até maio de 2005 não se discutia quem sucederia a Luiz Inácio Lula da Silva: sua reeleição era dada como certa. A oposição discutia apenas quem se sacrificaria à derrota inexorável agora para garantir um lugar privilegiado na eleição de 2010. A aposta se baseava na premissa, não de todo destituída de lógica, de que, após a emenda constitucional patrocinada pelo tucano Fernando Henrique, qualquer presidente que se eleja o será por oito anos - com um recall no meio. O candidato à reeleição disputa o próprio posto sem sair dele e goza das prerrogativas que este lhe dá, desde a caneta de nomear até a notoriedade permanente garantida no noticiário. Basta para tanto não fazer tolices de grande monta. O tucano José Serra, contudo, pulverizou esse mito ao derrotar Marta Suplicy para a Prefeitura de São Paulo, não apenas estando ela no lugar como gozando de prestígio popular, pois até o dia da eleição as pesquisas atestavam a aprovação da maioria do eleitorado à sua gestão. Mas nem seria preciso recorrer ao exemplo municipal. Pois o ex-amigo Roberto Jefferson detonou a convicção de que Lula não tinha adversários, supurando de dentro do organismo a maior ferida de corrupção já registrada na História do Brasil independente. O PT perdeu a virgindade moral e Lula passou de virtual vitorioso a favorito ao ostracismo de uma aposentadoria inglória. A oposição tinha tanta certeza da derrota dele que, quando o marqueteiro Duda Mendonça deu a oportunidade histórica para o impeachment, confessando haver recebido dinheiro petista no exterior, a oposição a desprezou, consagrando a máxima que o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) cunhou, em reunião com o líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio (AM), e o presidente nacional da OAB, José Roberto Busato: "Vamos fazê-lo sangrar até a eleição." O praticamente exangue presidente deu impressão de que estava tonto no ringue, mudando de explicação a cada pronunciamento para o inexplicável desbaratamento dos recursos públicos no projeto de transformação do Estado brasileiro numa inesgotável fábrica de "boquinhas" para companheiros, cupinchas e associados. Mas logo se viu que a hemorragia de votos do presidente era uma ilusão de noiva dos oposicionistas. Com seu inesgotável conhecimento de causa do pensamento e do vernáculo do povão, Sua Excelência pegou um programa tucano - o Bolsa-Família - e o transformou no maior cabo eleitoral institucional da História do Brasil. O noticiário freqüente de falcatruas desmascaradas e desbaratadas pela Polícia Federal em sua gestão, somado a esse talento de prestidigitador que o fez capaz de transmitir às camadas menos informadas e mais populosas da população a falsa impressão de que mandou apurar malfeitos e punir malfeitores do "mensalão", o pôs de volta no lugar mais alto do pódio. Não sem uma ajuda dos adversários que, embriagados pela possibilidade de disputar uma eleição já ganha, se engalfinharam numa refrega suicida para estabelecer o pretendente antes de calcularem o alcance de sua pretensão. Por conta de tudo isso, Lula passou a ser novamente a "pule de dez" na própria sucessão e, da mesma forma que os adversários, se deixou iludir por sua infalibilidade, tomando decisões cuja relação de custo-benefício lhe pode ser fatal. O caso mais evidente foi essa vergonhosa entrega dos Correios ao PMDB. Ponto de partida da delação do ex-amigo Jefferson, a estatal foi doada ao partido que mais se identificou no passado recente com o fisiologismo, pelo menos na óptica popular. E a empresa, cuja imagem de eficiência foi jogada no lixo pela propina paga a um burocrata que terminou por abrir a caixa de Pandora da corrupção na máquina pública nacional, passou a ser gerida por homens de confiança de gente como o líder peemedebista no Senado, Ney Suassuna (PB), protagonista do escândalo da hora e da vez: o da tal da máfia dos sanguessugas. O presidente continua na frente nas pesquisas e seus adversários têm feito o que podem para mantê-lo lá: já se fala, à boca pequena, em comitês traiçoeiros Lula-Serra e Lula-Aécio em colégios eleitorais da relevância de São Paulo e Minas Gerais. Ou seja, o petista tem tudo para ganhar a eleição, não no primeiro, mas no segundo turno, com a ajuda dos que prometem votar em Heloísa Helena (PSOL-AL) nas preliminares para purgar o pecado venial de sufragar "aquele que tem compromisso com o social" na hora fatal. Mas ainda não ganhou a eleição. Do alto de sua empáfia, seus estrategistas poderiam lembrar-se da ex-companheira Luiza Erundina (PSB-SP), que derrotou Paulo Maluf no sermão das 10 nas paróquias da periferia no domingo da eleição para a Prefeitura paulistana. Ou de Jânio Quadros, que venceu o desafeto deles Fernando Henrique, sem se esforçar, para o mesmo cargo. Talvez as batatas de Alckmin até estejam a assar, mas Lula ainda não pôs as mãos nas que se dão ao vencedor. |