O Globo
4/7/2006
Como administrar uma derrota? Basta escolher uma ou várias das opções
abaixo.
Primeira: Individualmente, você não foi derrotado. Não escalou os
escolhidos, não foi um deles. A culpa — isso sempre funciona — foi de
outros. Nos quais, agora você se recorda, sempre confiou com um pé
atrás.
Segunda: Como nação ou segmento social, você também não foi
nocauteado. Os que perderam formam um grupo à parte — privilegiado em
muitos sentidos — que a comunidade não escolheu.
Ela pode tê-lo aprovado, até endeusado. Mas só depois de selecionados
os atletas, oficialmente definidos como o creme do creme (como diz o
Zidane) e apenas até certo momento. Precisamente, o fim da tarde de
sábado passado. Muitos lhe disseram, sofrido amigo, repetida e
enfaticamente, que os eleitos deveriam receber sua inabalável
confiança: eram os porta-bandeiras do orgulho nacional, os arautos
das virtudes pátrias (étnicas, sociais, nacionais etc.).
Mas não esqueça: foram convocados pelos mesmos outros acima citados.
Você apenas acreditou.
Terceira: Se lhe fosse dado tomar as decisões vitais, você sabe
(desde sábado) que seriam diferentes. Lembre-se de quantas vezes,
durante aqueles últimos 90 minutos, você o afirmou, com esperança (no
começo) e raiva (no final).
Quarta: Não lhe cabe controlar sorte e azar. Lembre-se: você apenas
gerenciava o controle remotíssimo da sua TV.
Quinta: Futebol profissional é unicamente um negócio. Você não
participa de nada que a ele se refira: não investe, não decide, não
lucra, não perde.
Sexta (alternativa da anterior): Futebol é apenas um esporte, e só
importa competir. Esta é dura de engolir, mas estamos aqui fazendo o
possível para fazer o amigo dormir melhor.
Sétima: Daqui a quatro anos tem mais. E, com absoluta certeza, em
2010 ninguém vai segurar nossos admiráveis atletas. Nada é mais fácil
(pergunte a qualquer político) do que acreditar em qualquer profecia
com vencimento em quatro anos.
Oitava: Lembre-se de que futebol não é a pátria de chuteiras. Embora
nas últimas semanas pessoas até então absolutamente racionais tenham
dito precisamente o oposto.
Nona: A derrota tem uma conseqüência política de alta importância.
Ninguém poderá tentar usar nossos esforçados atletas como caçadores
de votos neste ano eleitoral.
Esses são todos os consolos que posso oferecer. Espero que lhes sejam
de alguma utilidade.
Para mim, não adiantam nada.