no mínimo
Esse Brasil de jeans, camisa branca e rabo de cavalo é praticamente a encarnação do bem. A senadora alagoana Heloísa Helena cresce nas pesquisas para presidente embalada no seu discurso franco, afirmativo, contra tudo isso que aí está. Já é um fenômeno eleitoral, e há quem diga que pode chegar ao segundo turno.
Ou seja, existe a chance de o Brasil ser governado a partir de 2007 por Heloísa Helena. Então é bom dar uma olhada no que ela pretende fazer com o país.
O programa do PSOL é boa literatura para quem está com saudades da esquerda pura, do tempo em que Lula exigia que o presidente do Banco Central recebesse os pobres em seu gabinete. Onde foi parar toda essa bondade? Pelo menos uma boa parte dela está na plataforma de Heloísa Helena.
O que fazer com a dívida externa, por exemplo? A proposta do PSOL é simples: não pagá-la. Por que isso? Eis a resposta:
“A dívida externa brasileira, por ter sido constituída fora dos marcos legais nacionais, sem consulta ao povo e por ferir a soberania é injusta e insustentável, ética, jurídica e politicamente.”
É interessante essa crítica a uma dívida “constituída sem consulta ao povo”. Aliás, é um absurdo a quantidade de coisas que se faz sem consulta ao povo. A renegociação da dívida externa brasileira, por exemplo, foi concluída no início dos anos 90. Hoje o país tem mais reservas em dólares do que dívida externa. Ou seja, passou de devedor a credor.
Não se sabe se o povo foi consultado nesse processo, de todo modo é bom alguém avisá-lo. Quanto ao PSOL, nada a fazer. O partido não gosta da dívida externa, é um direito dele.
E a dívida interna, o que Heloísa Helena pretende fazer com ela? Simples, também: “anulá-la”. O PSOL acha um absurdo o que o país paga de juros da dívida interna, e calcula que esse dinheiro daria para quintuplicar os gastos com o SUS. Tem toda razão. Inclusive, um cidadão que decidisse parar de pagar impostos poderia, talvez em alguns anos, dar a volta ao mundo (se não fosse preso antes).
O chato de “anular” a dívida interna é lembrar que ela nada mais é do que o financiamento que o governo pega na sociedade para pagar suas contas. É assim no mundo inteiro. Só não têm dívida interna expressiva os governos que têm nome sujo na praça e não conseguem vender seus papéis. No Brasil, os títulos do governo são lastro para aplicações financeiras em todo o sistema bancário.
No momento em que o governo “anular” esta dívida, isto é, avisar que seus papéis viraram mico, o dinheiro da Dona Maria que não estava debaixo do colchão poderá não existir mais. Portanto, Dona Maria, corra para o banco.
Mas o PSOL tem razão: os juros pagos pelo governo brasileiro por essa dívida são altos demais. A proposta da candidata Heloísa Helena é, mais uma vez, a apoteose da simplicidade: baixar os juros, de uma vez, de 14% para 4%. Um corte de dez pontos, a sangue frio, para eles nunca mais se meterem a devorar a economia nacional.
Talvez, no momento seguinte, o governo não consiga pegar mais um tostão emprestado na praça. Talvez o Tesouro tenha que emitir moeda. Talvez o mercado corra para o dólar. Talvez as contas públicas se arrebentem e a inflação volte. Mas tudo bem. Ninguém mais estará reclamando de juros altos.
O famoso superávit primário, aquela mania que o governo brasileiro pegou nos anos FHC e Lula de não gastar mais do que arrecada, também vai acabar no governo Heloísa Helena. O dinheiro economizado tem ido para pagamento de dívida, e o PSOL já deixou claro que esse negócio de dívida não é problema do devedor. Quem emprestou que se vire para receber.
Ou seja, Seu Manuel vai aumentar o salário dos empregados da quitanda e mandar os credores passear. Talvez os produtos comecem a sumir das prateleiras do Seu Manuel, e ele acabe tendo que mandar seus empregados para o olho da rua. Mas pelo menos eles serão demitidos com um salário melhor.
Heloísa Helena também pretende promover a centralização cambial. Isto é, o dólar só sai do país se pedir licença às autoridades. Eis um dos traços marcantes da esquerda pura: a convicção de que as coisas não funcionam por falta de controle do governo. A democracia é boa, mas é preciso ensinar o jeito certo de praticá-la. Como diria Sartre, autoritários são os outros.
O PSOL acredita que com a centralização cambial vai evitar a fuga do capital oportunista. Depois talvez valha entrevistar o capital não oportunista para ver se ele vai continuar querendo entrar.
“Abaixo a privatização”. A frase não está numa faixa de militantes num comício de Heloísa Helena. Está escrita, assim mesmo, no programa do seu partido. O PSOL promete estatizar as empresas privatizadas (alô, viúvas da Telerj e da Telesp) e vai mais longe: prevê a “Expropriação dos grandes grupos monopólicos capitalistas.” Não está claro? Significa o seguinte: grandes bancos, empresas ou fazendas poderão ser confiscados em benefício da coletividade. Eis a justificativa:
“Basta. A sociedade não pode organizar-se em torno do princípio da solidariedade e da igualdade, produzir segundo as necessidades da população, sem a expropriação desta minoria e o controle da sociedade sobre os grandes meios de produção e de crédito.”
Há muitos outros princípios de impacto que se acreditava soterrados pelo Muro de Berlim, sem falar em coisas como “a democratização radical dos meios de comunicação” com a revisão de concessões de TV e rádio.
E nada desses conceitos modernos de governar com todos e para todos. O governo Heloísa Helena proporá “rechaçar a conciliação de classes”. O PSOL promete que pela primeira vez na história a classe dominante será excluída. Ninguém poderá criticá-lo por falta de originalidade.