quarta-feira, junho 21, 2006

Zuenir Ventura - A exceção como regra

Jornal O Globo

No meio das notícias vindas da Alemanha, duas sem grande destaque me
chamaram a atenção. A primeira é sobre as impecáveis auto-estradas,
as famosas autobans, melhores e mais bem conservadas do que as
esburacadas ruas do Rio. Nelas, mesmo podendo-se trafegar a 200km, os
índices de acidentes são bem inferiores aos de nossas rodovias. A
outra foi sobre a convivência pacífica entre brasileiros e
australianos, que após o jogo de domingo passaram a noite
confraternizando alegremente na principal praça de Munique.

Os primeiros até tinham razão para a euforia, mas e os outros, os
derrotados? Enquanto isso, no Leblon, bairro nobre da Zona Sul
carioca, jovens e policiais, na falta de torcedores adversários,
entraram em conflito entre si durante a comemoração da mesma vitória
do Brasil. Dias antes, uma multidão de croatas se reuniu em Zagreb
para festejar a derrota, ou melhor, a não-goleada do Brasil sobre o
time deles sem incidentes (eu já estava celebrando o clima geral de
paz na Copa quando vi imagens de choques entre torcedores ingleses e
alemães). Como se explicam esses comportamentos contraditórios?

Não sei. Aliás, contrariando a teoria de que eventos festivos de
mobilização coletiva teriam efeitos apaziguadores, os cariocas
intensificaram sua rotina de violência nesses últimos dez dias. Na
própria terça-feira da estréia da nossa seleção, as cartas de
leitores sobre o tema chegaram a virar notícia no GLOBO. Nove
missivistas relatavam histórias de assaltos vividas em diferentes
bairros da cidade. Um deles atingira o seu limite. Estava estudando
francês para se mudar para o Canadá, assim como iam fazer vários
amigos seus.

Esses pelo menos escrevem aos jornais, mas e os que sequer vão à
delegacia dar queixa? No dia seguinte ao dessas cartas, às duas horas
da tarde, um caso ocorrido na minha rua poderia engrossar as
estatísticas. Aproveitando a fila de carros formada pelo sinal
vermelho, dois assaltantes de bicicleta promoveram um arrastão.
Batiam com o cano da pistola no vidro, mandavam abrir e recolhiam
bolsas, carteiras, talões de cheque, relógios, cordões. A calma com
que realizavam a audaciosa tarefa, a resignação das vítimas e o
silêncio dos que assistiam ao espetáculo impressionavam pela
naturalidade. Tudo tão banal.

Em matéria de ordem urbana, não se deve mitificar. A violência está
hoje em todas as grandes cidades, da Alemanha e de outros países, em
maior ou menor escala. Mas há uma diferença fundamental: lá, cenas
como essas são exceção, não a regra, como aqui.

***

O humor de Bussunda, que escancarava tudo, nem sempre deixava ver que
seu ponto fraco era um delicado coração.