sábado, junho 24, 2006

VEJA Os passageiros pagam a conta

Os passageiros pagam a conta

Com seus aviões no chão,
a Varig vai se desmantelando
e os clientes ficam à deriva


Ronaldo França


Oscar Cabral
Aviões da Varig arrestados e, abaixo, confusão nos aeroportos: desrespeito
Odival Reis/Diário de São Paulo/Ag. O Globo

Maior empresa aérea brasileira de todos os tempos, a Varig se tornou uma referência mundial justamente por oferecer a seus passageiros o que havia de melhor em conforto, segurança e confiabilidade. Graças a esses quesitos, projetou uma imagem positiva do país por onde voou. Paradoxalmente, talvez não seja tão contraditório que, nos estertores da companhia, os passageiros estejam sendo tão maltratados: é o sinal mais eloqüente de que a Varig que se conheceu um dia já não existe mais. Centenas de pessoas passaram horas a fio nos aeroportos. Muitas se viram obrigadas a esperar até três dias para embarcar, em meio à sucessão de cancelamentos de vôos, que chegou à inédita marca de mais de metade das viagens canceladas em uma semana. Quem já viveu essa situação sabe o constrangimento que traz. Enquanto isso, longe dos salões de embarque, os envolvidos na terapia intensiva que se tornou o processo de recuperação judicial da empresa deram uma inconteste demonstração de falta de respeito pelos clientes. A começar pela própria direção da Varig, que deixou de repassar à Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) as taxas de embarque pagas pelos passageiros durante um mês. O rombo chegou a 31 milhões de reais, dinheiro usado na manutenção dos aeroportos. A isso se dá o nome de apropriação indébita.

Do lado do governo houve displicência. O ministro da Defesa, Waldir Pires, partiu para o terrorismo verbal quando aconselhou os passageiros a simplesmente voltar para casa. Isso não é uma decisão simples quando se depende do transporte aéreo para resolver problemas pessoais ou para retornar ao país. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também não fez o papel que dela se espera. Não conseguiu apresentar um plano de emergência consistente, apesar de a quebra da Varig estar a cada dia mais visível. As companhias concorrentes comprometeram-se a realocar os passageiros, mas não havia informações suficientes ou um plano consistente em ação. Durante a semana, aumentaram as dificuldades para o endosso das passagens por outras companhias. Na quarta-feira, a Iata, agência internacional que garante a compensação de bilhetes trocados entre as companhias, descredenciou a Varig. Jogou-se mais combustível no incêndio e a empresa encerrou a semana a um milímetro da falência total. Faltam-lhe aviões. Alguns porque foram arrestados em ações que se desenrolam na Justiça da cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Outros porque simplesmente estão parados à espera das manutenções periódicas obrigatórias. No ano passado, a Varig investiu apenas 40% do mínimo necessário à manutenção, o que fez com a frota fosse parando aos poucos. Graças à rígida legislação aeronáutica, sem as revisões preventivas um avião é incondicionalmente retirado da escala de vôos.

A data final do processo de recuperação da empresa é a quarta-feira desta semana, quando a falência deverá ser decretada. O grupo de trabalhadores que havia feito a única proposta no leilão de venda da companhia, há duas semanas, finalmente admitiu que não tinha o dinheiro para comprar a empresa. "A Varig de hoje não é a mesma pela qual demos o lance. Os investidores ficaram com medo de entrar agora", afirmou aos jornais o porta-voz do grupo, Márcio Marsillac. Trata-se de uma farsa. A resistência em revelar os compradores é desculpa inaceitável. E, além disso, a situação da companhia é quase tão difícil agora quanto antes. A empresa tem perdas diárias de 2,5 milhões de dólares, mas seus ativos mais importantes são seus espaços e horários em aeroportos estrangeiros, a estrutura de operação de vôo e a marca, que, embora prejudicada, se mantém forte. São justamente esses os atrativos que levaram a empresa Volo, cujo capital provém basicamente do fundo americano Matlin Patterson, a fazer uma proposta de compra da empresa, na semana passada. A oferta esbarra na legislação. Empresas aéreas não podem ter capital estrangeiro em proporção superior a 20% do total. De qualquer forma, já se sabe que a Volo entrou no jogo pela porta errada. Contratou como advogado Roberto Teixeira, o notório compadre de Lula, o que evidencia a tentativa de influenciar o negócio da pior forma possível. A falta de perspectivas parece mesmo levar a Varig a desaparecer dos céus. O que não se pode deixar é que seus passageiros, que estão em terra, sofram todas as conseqüências, como aconteceu na semana passada.

 

RETRATO DO CAOS

Engolida pela crise, a Varig está ferida de morte. Os números mostram a extensão dos estragos

Neste momento, quarenta aviões dos 61 de que dispõe estão parados.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) calcula que 28 000 pessoas que detêm passagens Varig estão no exterior e precisam voltar ao país até o dia 30.

Os funcionários não recebem salários há dois meses.

No ano passado, investiu apenas 40% do necessário para manutenção da frota, o que fez com que muitos aviões parassem de voar.

A dívida total é de 7,9 bilhões de reais, oito vezes maior do que o preço oferecido por ela em leilão.

Estima-se que a cada dia a companhia perca 2,5 milhões de dólares devido à crise.

As dívidas trabalhistas e com o plano de previdência dos funcionários alcançam 2,5 bilhões de reais.